O Pr. Gilson Soares dos Santos é casado com a Missionária Selma Santos, tendo três filhos: Micaelle, Álef e Michelle. É servo do Senhor Jesus Cristo, chamado com santa vocação. Bacharel em Teologia pelo STEC (Seminário Teológico Evangélico Congregacional), Campina Grande/PB; Graduado em Filosofia pela UEPB (Universidade Estadual da Paraíba); Pós-Graduando em Teologia Bíblica pelo CPAJ/Mackenzie (Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper). Professor de Filosofia e Teologia Sistemática no STEC. Professor de Teologia Sistemática no STEMES, em Campina Grande - Paraíba. Pastor do Quadro de Ministros da Aliança das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil (AIECB). Pastoreou a Igreja Evangélica Congregacional de Cuité/PB, durante 15 anos (1993-2008). Atualmente é Pastor Titular da Igreja Evangélica Congregacional em Areia - Paraíba.

21 de agosto de 2014

O Cristão e a Cultura


O CRISTÃO E A CULTURA

Franklin Ferreira e Allan Myatt

Em conexão com a pessoa do Espírito Santo, devemos destacar a doutrina da graça comum, obra geral do Espírito em toda a criação. Antes, será proveitoso revisar a relação entre os cristãos e a cultura, e a forma como isto é ilustrado na historia da igreja. Helmuth Richard Niebuhr, juntamente com seu irmão, Reinhold, foram os líderes do equivalente americano para a neo-ortodoxia europeia. Richard Niebuhr foi pastor da Igreja Evangélica Reformada e, a partir de 1931, aceitou um cargo na Faculdade de Teologia de Yale, onde permaneceu até sua morte. Em seu livro Cristo e Cultura, ele oferece uma esquematização clássica das diferentes maneiras como os cristãos, no decorrer dos séculos, se relacionaram com o mundo ao seu redor. Para Niebuhr, existem cinco categorias para classificar a tensa questão de buscar relacionar o cristão e a cultura. Estas categorias tornaram-se ferramentas indispensáveis para descrever a forma como os cristãos encaram questões sociais, éticas, politicas e econômicas.

1 – O Cristão Contra a Cultura

A primeira categoria é aquela que mostra o cristão contra a cultura. Os que seguem esta corrente enfatizam que, diante da natureza caída da criação, é necessário que se criem estruturas alternativas que sigam mais de perto o chamado radical do evangelho. Esta posição foi afirmada no Didaque, na Primeira Epistola de Clemente, e nos escritos de Tertuliano. Este último escreveu:

A filosofia é a matéria básica da sabedoria mundana, intérprete temerária da natureza e da ordem de Deus. De fato, é a filosofia que equipa as heresias... Ó miserável Aristóteles! Que lhes proporcionaste a dialética, esse artífice hábil para construir e destruir, esse versátil camaleão que se disfarçaa nas sentenças, se faz violento nas conjecturas, duro nos argumentos, que fomenta contendas, molesta a si mesmo, sempre recolocando problemas antes mesmo de nada resolver. Por ela, proliferam essas intermináveis fábulas e genealogias, essas questões estéreis, esses discursos que se alastram, qual caranguejos, e contra os quais o Apóstolo nos adverte na sua carta aos Colossenses: “Cuidado que ninguém vos venha a enredar com suas sutilezas vazias, acordadas as tradições humanas, mas contrárias a providência do Espírito Santo”. Este foi o mal de Atenas... Ora que há de comum entre Atenas e Jerusalém, entre a Academia e a Igreja, entre os hereges e os cristãos? Nossa formação nos vem do pórtico de Salomão, ali nos ensinou que o Senhor deve ser buscado na simplicidade do coração. Reflitam, pois, os que andam propalando seu cristianismo estóico ou platônico. Que novidade mais precisamos depois de Cristo?... Que pesquisa necessitamos mais depois do Evangelho? Possuidores da fé, nada mais esperamos de credos ulteriores. Pois a primeira coisa que cremos é que para a fé, não existe objeto ulterior.

Os escritos dos teólogos anabatistas, no século XVI, apresentam o cristianismo como uma forma de viver completamente à parte da cultura. Por exemplo, a Confissao de Fe de Schleichtheim afirma:

Quarto, unimos nossas forças no que diz respeito a separação do mal. Devemos nos afastar do mal e da perversidade que o diabo semeou no mundo, para não termos comunhão com isso e não nos perdermos na confusão dessas abominações. Aliás, todos que não aceitaram a fé e não se uniram a Deus para fazer a sua vontade são uma grande abominação aos olhos de Deus. Deles não poderão acrescentar ou surgir nada mais do que coisas abomináveis. Não existe nada mais no mundo e em toda a criação do que o bem e o mal, crentes e incrédulos, trevas e luz, os que estão no mundo e fora do mundo, os templos de Deus e dos ídolos, Cristo e Belial, e nenhum deles poderá ter comunhão um com o outro. Para nós, pois, é óbvio o imperativo do Senhor, pelo qual nos ordena que nos afastemos e nos mantenhamos longe dos maus. Assim, ele será nosso Deus e nós seremos seus filhos e filhas. Além disso, ele nos exorta a abandonar a Babilônia e o paraíso terreno egípcio, para não passar pelos sofrimentos e dores que o Senhor enviará sobre eles. (...) Devemos nos afastar de tudo isso e não participar com eles. Porque tudo isso não passa de abominações, que nos tornam odiosos diante do nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos libertou da escravidão da nossa natureza pecaminosa e nos tornou aptos para o serviço de Deus, por meio do Espírito que nos outorgou.

2 – O Cristão da Cultura

A segunda categoria mostra o cristão da cultura, onde os ensinos do evangelho têm íntima relação com as estruturas ocidentais, e o cristão se acomoda à cultura. Apesar das objeções que são comumente lançadas a esta solução, ela tem exercido forte influência na história da igreja. Os gnósticos, Abelardo de Paris e os teólogos liberais do seculo XIX e XX esposaram esta posição. A igreja evangélica na Alemanha, por influência deste entendimento, trocou seu nome para Igreja do Reich, e seus pregadores juraram obediência a Hitler. Em alguma medida, o próprio fundamentalismo americano acabou espelhando esta posição, garantindo os valores e pressuposições básicas da cultura americana. Horton escreve:

No evangelicalismo norte-americano, o cristianismo cultural produziu uma confiança inusitada na capacidade do espírito americano de conseguir fazer o que quisesse. (...) É por isso que o arminianismo dá tão certo nos Estados Unidos e o calvinismo é tão desprezado. O calvinismo jamais servirá ao individualista idealista ou otimista que acredita haver algo de especial no caráter nacional que predisponha um pecador a tornar-se um santo através do trabalho duro. Na teologia reformada, é Deus quem julga e justifica; no arminianismo, o homem é quem decide e se ergue.

3 – O Cristão Acima da Cultura

O cristão acima da cultura integra a terceira categoria analisada. Este é o conceito católico, influenciado principalmente por Clemente de Alexandria e Tomás de Aquino. Esta posição busca uma unidade entre o cristão e a cultura, onde toda a sociedade aparece hierarquizada, unida ao Senhor Deus. O problema é a institucionalização da igreja e do evangelho e a absolutização do que é condicionado culturalmente. Quando isso ocorre, volta-se para a segunda categoria, que é o cristão da cultura.

4 – O Cristão e a Cultura Permanecem em Paradoxo

A quarta categoria é a posição comumente associada a Martinho Lutero, em que o cristão e a cultura permanecem em paradoxo. Esta posição mantém firmemente o entendimento bíblico da queda e da miséria do pecado, e o chamado para se lidar com a cultura. A relação do cristão com a cultura é marcada por uma tensão dinâmica entre a ira e a misericórdia. “Lutero enfatizou este tema com sua doutrina dos ‘dois reinos’: a mão esquerda, mundana, segura a espada do poder no mundo, enquanto a mão direita, celeste, segura a espada do Espírito, a Palavra de Deus. Não se pode tentar coagir a fé, nem se pode tentar acomodar a fé aos modos seculares de pensamento”.

5 – O Cristão Como Agente Transformador da Cultura

A quinta categoria mostra o cristão como agente transformador da cultura. Sua compreensão é de que a cultura deve ser levada cativa ao senhorio de Cristo. Sem desconsiderar a queda e o pecado, mas enfatizando que, no princípio, a criação era boa, os que estão nesse grupo de cristãos enfatizam que o objetivo da redenção é transformar a cultura. Por mais iníquas que sejam certas instituições, elas não estão fora do alcance da soberania de Deus. Agostinho, João Calvino, John Wesley, Jonathan Edwards e Abraham Kuyper são alguns dos que entenderam que os cristãos são agentes de transformação da cultura.

LIVRO PARA CONSULTA

FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: Uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 669-672.

5 de agosto de 2014

Escatologia: O Pre-Milenismo Histórico


ESCATOLOGIA: O PRE-MILENISMO HISTÓRICO

Pr. Gilson Soares dos Santos

1 A concepção pré-milenista histórica

     Vejamos a definição desta corrente escatológica nos dizeres de Charles C. Ryrie (2011, p. 523):

É a visão que afirma que a Segunda Vinda de Cristo ocorrerá antes do milênio. Isso resultará no estabelecimento do reinado de Cristo nesta Terra por um período literal de mil anos. Também entende que haverá muitas ocasiões em que ressurreições e juízos ocorrerão. A eternidade começará após esses mil anos serem concluídos. Dentro do pré-milenismo, existem visões diferentes sobre quando o arrebatamento ocorrerá.
Todas as formas do pré-milenismo entendem que o milênio virá após a segunda vinda de Cristo.

     Na explicação de Erickson (1997, p. 511) o pré-milenismo pode ser entendido da seguinte forma:

O pré-milenismo devota-se ao conceito de um reinado terreno de Jesus Cristo, com duração de cerca de mil anos (ou, pelo menos um período substancial de tempo). [...] entende que Cristo estará fisicamente presente durante esse tempo; crê que Jesus retornará de forma pessoal e física, a fim de iniciar o milênio. Sendo assim, o milênio deve ser considerado ainda futuro.

1.1 Ordem dos eventos no pré-milenismo histórico

     Ferreira e Myatt (2008, p. 1102) descrevem a ordem dos eventos no pré-milenismo da seguinte forma:

Segundo o pré-milenismo histórico, a ordem dos eventos pode ser assim resumida: 1) época presente da igreja, da evangelização e da apostasia do homem; 2) grande tribulação de sete anos, ascensão do anticristo e perseguição da igreja; 3) volta de Cristo, arrebatamento, primeira ressurreição e batalha do Armagedom', 4) inauguração do milênio e prisão de Satanás no abismo; 5) fim do milênio, soltura de Satanás e rebelião das nações; 6) derrota final de Satanás, ressurreição dos ímpios e julgamento final; 7) estado eterno.

1.2 Argumentos oferecidos pelo pré-milenismo histórico

     Vejamos, segundo Norman Geisler (2010, p. 940), os argumentos oferecidos pelo pré-milenismo histórico:

(1) Explica melhor a promessa incondicional de terra feita a Abraão e seus descendentes (Gn 12; 14,15).
(2) Permite um melhor entendimento da aliança incondicional davídica (de que seu descendente iria reinar para sempre — 2 Samuel 7.12ss.).
(3) E necessário para o cumprimento de numerosas previsões do Antigo Testamento sobre uma era messiânica (cf. Is 9; 60; 65).
(4) Explica a promessa de Jesus de que Ele e Seus apóstolos reinarão sobre tronos em Jerusalém (Mt 19.28).
(5) Esta baseado na resposta de Jesus a pergunta dos discípulos a respeito de restaurar o reino de Israel (At 1.5-7).
(6) Confirma a declaração de Paulo, de que Cristo ira reinar ate que a morte seja derrotada (1 Co 15.20-28).
(7) E consistente com a promessa de Romanos 11, de que Israel será restaurado.
(8) Estabelece a interpretação literal de que Cristo e os santos ressuscitados irão reinar durante “mil anos” (Ap 20.1-6).

1.3 Defensores do pré-milenismo histórico

     Veja o que apresenta Ferreira e Myatt (2008, p. 1101):

O chamado pré-milenismo histórico foi a posição dominante dos pais da igreja na teologia, entre os séculos II e IV. Entre esses pais da igreja, podemos mencionar Justino de Roma, Irineu de Lion, Tertuliano e Cipriano, embora existissem outras interpretações sobre o milênio. Papias, que, segundo a tradição, foi discípulo do apostolo João, cria na ideia de um reino literal de mil anos na Terra, depois da segunda vinda de Cristo. Essa é a noção que define o pré-milenismo. Ao defender o milênio, esses pensadores entendiam que estavam defendendo a ortodoxia cristã de três maneiras: 1) apoiando a apostolicidade e canonicidade do Apocalipse contra os que combinaram a negação desse livro com a rejeição ao milenismo; 2) opondo-se aos gnósticos, que espiritualizavam a doutrina cristã, destruindo a esperança do futuro; 3) opondo-se aos cristãos platônicos, como Orígenes, cuja rejeição de um milênio literal era baseada numa hermenêutica alegórica e que revelava um menosprezo idealista para com a criação.
Durante a Reforma protestante, William Tyndale e muitos dos anabatistas defenderam o pré-milenismo.
No século XVII, vários puritanos também afirmaram esta posição, como William Twisse, que presidiu a assembleia que preparou a Confissão de Fé de Westminster, Thomas Goodwin, William Bridge e Jeremiah Burroughs.  Quase todos os puritanos da Nova Inglaterra eram pré-milenistas, entre eles, Cotton Mather. Entre os batistas são contados, Benjamin Keach e John Gill, e entre os pietistas alemães, Phillip Jakob Spener e Johann A. Bengel.
No grande avivamento do século XVIII, Charles Wesley e Augustus Toplady afirmaram o pré-milenismo, assim como os irmãos Andrew e Horatius Bonar e C. H. Spurgeon, no século XIX, na Escócia e na Inglaterra.
Entre os teólogos contemporâneos que afirmam esta posição estão Oscar Cullmann, Russell Shedd, George Eldon Ladd, Wayne Grudem, R. K. McGregor Wright e Millard Erickson.

     Outros nomes a favor do pré-milenismo, são: Clemente de Alexandria (150 – 215), O puritano Cotton Mather (1663-1728), Crififith Thomas (1861-1924), James Montgomery Boice (1938-2000).



BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA


ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997.

FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: Uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2008.

GEISLER, Norman. Teologia Sistemática. Vol. 2. Rio de Janeiro: CPAD. 2010.

RYRIE, Charles C. Teologia Básica ao Alcance de Todos. São Paulo: Mundo Cristão, 2011.