O Pr. Gilson Soares dos Santos é casado com a Missionária Selma Santos, tendo três filhos: Micaelle, Álef e Michelle. É servo do Senhor Jesus Cristo, chamado com santa vocação. Bacharel em Teologia pelo STEC (Seminário Teológico Evangélico Congregacional), Campina Grande/PB; Graduado em Filosofia pela UEPB (Universidade Estadual da Paraíba); Pós-Graduando em Teologia Bíblica pelo CPAJ/Mackenzie (Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper). Professor de Filosofia e Teologia Sistemática no STEC. Professor de Teologia Sistemática no STEMES, em Campina Grande - Paraíba. Pastor do Quadro de Ministros da Aliança das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil (AIECB). Pastoreou a Igreja Evangélica Congregacional de Cuité/PB, durante 15 anos (1993-2008). Atualmente é Pastor Titular da Igreja Evangélica Congregacional em Areia - Paraíba.

2 de novembro de 2013

Cristo foi ao inferno e pregou para os mortos? Eruditos respondem

CRISTO FOI AO INFERNO E PREGOU PARA OS MORTOS? ERUDITOS RESPONDEM

Pr. Gilson Soares dos Santos

Um dos mais difíceis textos da Bíblia encontra-se em I Pedro 3.18-20, onde encontramos: “18 Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito, 19  no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, 20  os quais, noutro tempo, foram desobedientes quando a longanimidade de Deus aguardava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca, na qual poucos, a saber, oito pessoas, foram salvos, através da água,”. Teria Cristo ido ao inferno e pregado para as almas dos que morreram no dilúvio?

Na postagem de hoje, estarei fazendo esta pergunta a eruditos. É claro, não os entrevistei pessoalmente, encontrei as respostas em suas obras.

I – PERGUNTA A GLEASON ARCHER

PASTOR GILSON: Como podemos entender I Pedro 3.18-20? Cristo foi ao Hades e pregou para as pessoas que morreram no dilúvio? Haveria possibilidade de salvação para aquelas almas por meio da pregação de Cristo?

GLEASON ARCHER: Se examinarmos essa sentença cuidadosamente, em seu escopo total, descobriremos que a passagem não ensina tal coisa — pois contraria Hebreus 9.27: "... o homem está destinado morrer uma só vez, e depois disso enfrentar o juízo".

PASTOR GILSON: Explique melhor.

GLEASON ARCHER: Na versão NASB, 1 Pedro 3.18-20 foi traduzido assim: "Porque Cristo morreu pelos pecados, de uma vez por todas, o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus, tendo sido sentenciado à morte na carne, mas vivificado no espírito; no qual ele foi também e fez proclamação aos espíritos agora na prisão, que outrora foram desobedientes, quando a paciência de Deus esperou nos dias de Noé, durante a construção da arca, pela qual uns poucos, isto é, oito pessoas, se salvaram das águas"

Observamos, pela tradução acima, que o verbo que se traduz por "pregou" em KJV não equivale ao grego euangelizomai ("pregar ou levar boas-novas"), que certamente significaria que depois de sua crucificação Cristo realmente levou uma mensagem de salvação às almas perdidas no Hades; antes, o verbo é ekēryxen, derivado de kērysso ("proclamar uma mensagem", da parte de um rei ou potentado). O que o versículo 19 diz na verdade é que Cristo fez uma proclamação às almas que estavam aprisionadas no "Sheol"— ou Hades.

PASTOR GILSON: Quais as possiblidades de entendimento nesta passagem?

GLEASON ARCHER: O conteúdo dessa proclamação não é claro para nós, mas há duas possibilidades:

1) A proclamação feita pelo Cristo crucificado no Hades a todas as almas dos mortos pode ter sido essa: o preço do pecado havia sido pago, e todos os que haviam morrido na fé deveriam aprontar-se para subir ao céu, o que ocorreria logo, no domingo da ressurreição, ou da Páscoa.

2) A proclamação poderia dizer respeito à urgente advertência que Noé havia feito à sua própria geração, no sentido que se refugiassem na arca, antes que o grande dilúvio destruísse toda a raça humana.

Dessas duas opções, a primeira diz respeito a uma ocorrência real (cf. Ef 4.8); essa proclamação teria sido feita a todos os habitantes do Hades, em geral, ou então só aos redimidos, em particular.

Mas a segunda parece ter sido a proclamação que Pedro tinha em mente aqui, visto que a única audiência mencionada é a geração de Noé, aprisionada no Hades, aguardando o julgamento final. Esse versículo significa, então, que Cristo, mediante o Espírito Santo solenemente advertiu os contemporâneos de Noé, por meio do próprio Noé (conforme descrição em 2 Pe 2.5) como "pregador [ou 'arauto'] da justiça". Observe-se que "pregador" neste versículo é kēryka, a mesma raiz de ekēryxen a que se refere 1 Pedro 3.19.

Portanto, parece-nos muito evidente que a passagem discutida nos assegura que até mesmo naqueles tempos antigos, nos dias de Noé, quando o Senhor estava em estado de pré-encarnação, o Verbo estava interessado na salvação dos pecadores. Assim é que o ato pelo qual a família de Noé se salvou mediante a arca foi um evento profético, apontando para a provisão graciosa de Deus pela expiação substitutiva numa cruz de madeira — à semelhança do instrumento de livramento, a arca, que salvou Noé do julgamento divino sobre a humanidade culpada. Em ambos os casos apenas os que pela fé se refugiam no meio de salvação proposto por Deus podem livrar-se da destruição.

Esse relacionamento entre tipo/antítipo é equacionado com clareza em 1 Pedro 3.21: "e isso é representado pelo [ARA traduz assim antitypon] batismo que agora também salva vocês — não a remoção da sujeira do corpo, mas o compromisso [epērōtēma] de uma boa consciência diante de Deus — por meio da ressurreição de Jesus Cristo". Em outras palavras, o arrependimento do pecado e a confiança só em Cristo, para a salvação com base em sua expiação e ressurreição, são os elementos que suprem o livramento do pecador culpado e tornam possível que esse obtenha "uma boa consciência", com base na convicção de que todos os seus pecados foram pagos completamente pelo sangue de Jesus.

Diante da geração de Noé, correspondendo ao mundo perdido dos dias de Pedro (e de todas as gerações a partir de então, podemos ter certeza disto), somos forçados a concluir que a proclamação a que se refere o versículo 19 ocorreu, não quando Cristo desceu ao Hades, após sua morte no Calvário, mas em Espírito, o qual falou pela boca de Noé, durante aqueles anos em que a arca era construída (v. 20). Portanto, o versículo 19 nenhuma esperança oferece de uma "segunda oportunidade" para quem rejeitou Cristo durante sua vida aqui na Terra.

(ARCHER. Gleason, Enciclopédia de dificuldades bíblicas. 1 Ed. 2ª Reimpressão. São Paulo: Vida. 1998. p. 454,455.)

II – PERGUNTA A NORMAN GEISLER E THOMAS HOWE

PASTOR GILSON: O texto de I Pedro 3.18-20 sugere que Cristo foi ao Hades, pregou para as pessoas que morreram no dilúvio, com chance de salvação para elas?

GEISLER E HOWE: Primeiro, deve-se notar que não há versículo algum na Bíblia que estenda a esperança da salvação para após a morte. A morte é o ponto final, e há apenas dois destinos - o céu e o inferno, entre os quais há um grande abismo, que não pode ser atravessado (veja os comentários de 1 Pedro 3:19). Assim, seja o que for que a expressão "pregado a mortos" possa significar, isso não implica que haja salvação após a morte.

Segundo, essa é uma passagem não clara, sujeita a muitas interpretações, e, portanto, nenhuma doutrina deve basear-se numa passagem duvidosa como essa. Os textos difíceis devem ser sempre interpretados à luz dos que são claros, e não o contrário.

Terceiro, há outras possíveis interpretações dessa passagem que não entram em conflito com o ensino do restante das Escrituras.

PASTOR GILSON: Quais são as possíveis interpretações?

GEISLER E HOWE: Primeira possibilidade: É possível que ela se refira àqueles que agora estão mortos, e que ouviram o Evangelho no tempo em que estavam vivos. Em apoio a isso é citado o fato de que o Evangelho "foi pregado" (no passado) àqueles que estão "mortos" (situação presente).

Segunda possibilidade: alguns creem que essa não seja uma referência a seres humanos, mas aos "espíritos em prisão" (anjos) mencionados em 1 Pedro 3:19 (cf. 2 Pe 2:4 e Gn 6:2).

Terceira possibilidade: Ainda outros  afirmam que, embora os mortos sofram a destruição de sua carne (1 Pe 4:6), ainda vivem com Deus em virtude do que Cristo fez por meio do Evangelho (ou seja, sua morte e ressurreição). Essa mensagem de vitória foi anunciada por Cristo em pessoa ao mundo espiritual depois de sua ressurreição (cf. 1 Pe 3:18).

PASTOR GILSON: O universalismo, doutrina que prega que todos serão salvos, defende que Cristo pregou para as almas dos que foram mortos nos dias de Noé, alegando que isto é a prova de que todos serão salvos. Isto procede?


NORMAN GEISLER: Não existe aqui fundamento para o Universalismo.

Primeiro, não existe aqui sugestão de que Jesus tenha oferecido esperança de salvação a estes “espíritos em prisão.” O texto não diz que Cristo os evangelizou,19 mas simplesmente que proclamou a eles a vitória da sua ressurreição. Esta posição se encaixa no contexto (já que o verso anterior fala da morte vitoriosa e da ressurreição de Cristo) e esta de acordo com o ensino de outras passagens do Novo Testamento (cf. Ef 4.8; Cl 2.15).


Segundo, Pedro não esta falando de todas as pessoas, mas de um grupo limitado “os quais em outro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca” (v. 20).


Terceiro, a Bíblia e clara que não existe uma segunda chance depois da morte (cf. Hb 9.27). O livro de Apocalipse fala do juízo do Grande Trono Branco, no qual aqueles que não foram encontrados no Livro da Vida receberão o devido castigo, sendo enviados para o lago de fogo (20.11-15). Lucas também registra o ensino de Cristo a esse respeito. Ele afirma que depois que uma pessoa morre, ela vai direto para o céu ou para o inferno (16.19-31), e que existe um grande abismo entre ambos “de sorte que os que quiserem passar de um lado para o outro ficam impedidos” (cf. v. 26). A urgência que devemos ter em responder a Deus ainda nesta vida, antes da morte, também serve de fundamento para o fato de não haver mais esperança no além-túmulo (cf. Pv 29.1; Jo 3.36; 5.24).


Quarto, e por ultimo, não existem evidencias conclusivas de que a expressão “espíritos em prisão”, na verdade, trate-se de uma referencia a seres humanos. Em nenhuma outra parte esta expressão e utilizada para designar os seres humanos no inferno. Muitos estudiosos acreditam que os “espíritos” que invadiram a humanidade nos “dias de Noé” eram os mesmo “Filhos de Deus” (expressão utilizada para os anjos em Jo 1.6; 2.1; 38.7). Independentemente do que sejam estes “espíritos”, humanos ou angelicais, não existe fundamento para a ideia de que Pedro esteja se referindo a toda a humanidade, nem que todos os seres humanos serão salvos.

(GEISLER. Norman, HOWE. Thomas, Manual popular de dúvidas, enigmas e ‘contradições’ da Bíblia. 12ª Reimpressão. São Paulo: Mundo Cristão. 2009. p. 540,541).


(GEISLER, Norman. Teologia Sistemática. Vol. 2. Rio de Janeiro: CPAD. 2010. p. 308)

 
III – PERGUNTA A D. A. CARSON*

PASTOR GILSON: Como entender I Pedro 3.18-20? Cristo foi ao Hades e pregou aos mortos do dilúvio, oferecendo-lhes chances de salvação?ades

CARSON: O texto de I Pedro 3.18-20, segundo alguns comentadores, Cristo pode ter pregado a todos os mortos em uma de três maneiras:

1) para lhes oferecer uma segunda oportunidade de salvação;

2) para anunciar a sua vitória sobre a morte e o triunfo sobre o poder do mal e assim confirmar a sentença sobre os incrédulos e anunciar a libertação aos crentes;

3) para anunciar a libertação do purgatório àqueles que tinham se arrependido justo antes de perecerem no dilúvio, segundo os católicos. Qual dessas interpretações tem sustentação bíblica?

Nem a primeira nem a última dessas três podem ser fundamentadas nas Escrituras, mas a segunda tem sido defendida por muitos comentaristas como adequada à evidência neotestamentária. Outros consideram os espíritos em prisões os anjos caídos de Gênesis 6.1-8 aos quais há alusão em II Pedro 2.4-10 e Judas 6, como também no livro apócrifo de I Enoque. O alvo de Pedro nesse contexto é mostrar que o propósito de Deus está sendo executado até mesmo em épocas de sofrimento. Assim, seria melhor entender a pregação como uma declaração do triunfo de Cristo, a fim de declarar (22) que todos os anjos, potestades, e poderes estão subordinadas a ele. Grudem (TNTC) resume num apêndice os diversos pontos de vista e afirma que os espíritos eram contemporâneos de Noé que rejeitaram o Espírito de Cristo por meio de Noé (II Pe 2.5) e agora estão na prisão que é o lugar onde estão os mortos.

Nenhum ponto de vista está livre de dificuldades, mas o uso de um verbo que traz a conotação de progressão constante e propositada (foi [19] e depois de ir [22] são ambos tradução da mesma palavra grega poreutheis) que sugere que Pedro está relatando o que Jesus realizou entre sua morte e exaltação.

(CARSON, D. A. et. al. Comentário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova. 2012. p. 2068-2069).

* Embora o Comentário Bíblico Vida Nova tenha a co-autoria de R. T France, J. A. Montyer e G. J. Wenham, preferimos usar o nome de D. A. Carson.

IV – PERGUNTA A TOKUNBOH ADEYEMO*

PASTOR GILSON: Cristo realmente foi ao inferno e pregou para as almas dos que morreram nos tempos de Noé, segundo encontramos em I Pedro 3.18-20?

ADEYEMO: Quando a morte separou o espírito de Cristo do seu corpo, ele pôde pregar no mundo dos espíritos (3.19). [...] Pedro diz que Cristo pregou apenas àqueles que foram desobedientes nos dias de Noé (3.20b), provavelmente por serem considerados os que pecaram de modo mais profundo. Afinal, Deus exterminou toda a vida na terra por causa do pecado deles! É possível que Pedro também tenha focalizado esse grupo porque desejava traçar um paralelo entre dilúvio e o batismo. [...] assim como a graça e a paciência de Deus conduziram à salvação de oito pessoas [...] sua graça e amor, manifestados na morte e ressurreição de Cristo, salvaram os cristãos, as quais Pedro escreve, e os ressuscitaram para a viva esperança da vida eterna.

(ADEYEMO, Tokunboh. Comentário Bíblico Africano. São Paulo: Mundo Cristão. 2010. p. 1561)


* O Comentário Bíblico Africano foi escrito por 70 eruditos africanos, preferimos usar o nome do Editor Geral, Tokunboh Adeyemo.