O Pr. Gilson Soares dos Santos é casado com a Missionária Selma Santos, tendo três filhos: Micaelle, Álef e Michelle. É servo do Senhor Jesus Cristo, chamado com santa vocação. Bacharel em Teologia pelo STEC (Seminário Teológico Evangélico Congregacional), Campina Grande/PB; Graduado em Filosofia pela UEPB (Universidade Estadual da Paraíba); Pós-Graduando em Teologia Bíblica pelo CPAJ/Mackenzie (Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper). Professor de Filosofia e Teologia Sistemática no STEC. Professor de Teologia Sistemática no STEMES, em Campina Grande - Paraíba. Pastor do Quadro de Ministros da Aliança das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil (AIECB). Pastoreou a Igreja Evangélica Congregacional de Cuité/PB, durante 15 anos (1993-2008). Atualmente é Pastor Titular da Igreja Evangélica Congregacional em Areia - Paraíba.

1 de maio de 2012

Quem Disse que os Puritanos Eram Viciados em Trabalho?

OS PURITANOS E O TRABALHO

Rev. Gilson Soares dos Santos

Hoje é Dia do Trabalho ou Dia do Trabalhador, 1º de Maio, e queremos homenagear a todos os trabalhadores com uma reflexão sobre a visão puritana do trabalho.

É comum o uso da frase “ética puritana do trabalho”. Muitos a usam para reprovar os Puritanos quanto ao que eles pensavam sobre o trabalho, sendo usado como sinônimo de “vício de trabalhar”, “trabalho escravizador”, “competitividade”, “materialismo”, etc. Porém existe uma interpretação errada sobre aquilo que os puritanos realmente pensavam e ensinavam a respeito do trabalho. Vejamos o que o puritanos realmente pensavam e defendiam sobre o trabalho.

1 – Divisão Entre Sagrado e Secular

Durante séculos, e ainda hoje, as pessoas costumam dividir o trabalho em duas categorias: Sagrado e Secular. O trabalho sagrada é aquele exercido por membros de uma profissão religiosa. Todos os demais tipos de trabalho são considerados secular.

Observe a seguinte oração de um escriba, judeu, fazendo essa diferença entre trabalho sagrado e secular.

“Eu te agradeço, ó Senhor, meu Deus, por me haveres dado minha porção com aqueles que se assentam à casa do saber, e não com aqueles que se assentam pelas esquinas das ruas; pois eu cedo trabalho e eles cedo trabalham; eu cedo labuto nas palavras da Torah e eles cedo labutam nas coisas sem importância. Eu me afadigo e eles se afadigam; eu me afadigo e lucro com isso, e eles se afadigam sem benefício. Eu corro, e eles correm; eu corro em direção à vida por vir, e eles correm em direção ao abismo da destruição”.

Notou que o escriba julga seu trabalho sagrado? Para ele, o trabalho dos outros é secular. Ele julga que seu trabalho é superior ao dos outros, pois se ocupava das Escrituras. Isso é algo que muita gente hoje ainda pensa. Esse mesmo pensamento predominou no período medieval. Veja como Eusébio, no quarto século, já fazia essa diferença:

“Dois modos de vida foram dados pela lei de Cristo à sua igreja. Um está acima da natureza e além do viver humano comum... Inteira e permanentemente separado da vida habitual comum da humanidade, dedica-se somente ao serviço de Deus... Tal é então a forma perfeita da vida cristã. E o outro, mais humilde, mais humano, permite aos homens... ter mentalidade para a lavoura, para o comércio e os outros interesses mais seculares do que a religião... E um tipo de grau secundário de piedade é atribuído a eles”.

Veja que no pensamento de Eusébio a diferença também era pregada, onde o trabalho secular era considerado um grau secundário de piedade. Os puritanos rejeitaram essa dicotomia “sagrado-secular”.

2 – Todos os Tipos de Trabalho Legítimos são Santos

Lutero foi o primeiro a combater a tese de que o trabalho dos sacerdotes é mais santo do que o da dona de casa e do que o do comerciante. Calvino também rejeitou a santidade do trabalho do clérigo religioso em detrimento do trabalho do comerciante ou da dona de casa. Os puritanos seguiram a linha de Lutero e Calvino. Eles rejeitam a dicotomia “sagrado-secular”. Qual a diferença entre lavar louças e pregar a Palavra? Para William Tyndale ambas agradam a Deus. Quem comunga do mesmo pensamento é William Perkins o qual afirma que “A ação de um pastor em guardar ovelhas é um trabalho tão bom diante de Deus como a ação de um juiz ao sentenciar ou de um ministro ao pregar”.

Para os puritanos, todo trabalho está na arena da glorificação e obediência a Deus. John Dod e Robert Cleaver dirão que “o grande Deus nunca despreza um ofício honesto... mesmo sendo bem humilde, mas o coroa com sua bênção”. Para os puritanos até varrendo a casa uma pessoa glorifica a Deus. A presença e a bênção de Deus eram sentidas na igreja, mas também na oficina. Os puritanos revolucionaram as atitudes em relação ao trabalho diário porque criam que “cada passo e aspecto do seu ofício é santificado”.

Portanto, os puritanos declaravam a santidade de todos os tipos de trabalho legítimos.

3 – O Conceito Puritano de Chamado

Para os puritanos, todo cristão tem um chamado. Esse pensamento torna o trabalho uma forma de corresponder a Deus. Richard Steele, teólogo puritano, escreveu:

“Deus chama todo home e mulher... para servi-Lo em algum emprego peculiar neste mundo, tanto para o seu próprio bem e o bem comum. O Grande Governador do mundo determinou para todo homem seu próprio posto e província”.

O pensamento puritano é compartilhado hoje da seguinte maneira: Se você é professor universitário, você foi chamado para servir a Deus por meio desse trabalho santo que o Senhor lhe deu. Se você é pedreiro, Deus o chamou para servi-lo com sua profissão, isto é, seu local de trabalho é lugar de honrar e adorar ao Senhor, mas também é seu campo missionário. Se você é taxista, se campo missionário é seu táxi, seu templo de adoração também. A dona de casa que realiza serviços domésticos glorifica a Deus no seu lar, ali é seu chamado, ali é seu campo missionário. A interpretação é a seguinte: “Tudo que importa é que tenha a graça de usar meu tempo como se estivesse vivendo na presença do meu grande Superintendente”. A expressão “Grande Superintendente” implica na consciência puritana de Deus como aquele que chama pessoas a realizar tarefas.

4 – A Motivação e as Recompensas do Trabalho

As recompensas do trabalho, segundo o puritanismo, eram morais e espirituais. Para eles, o trabalho glorifica a Deus e beneficia a sociedade. Se o trabalho for visto como uma mordomia para Deus então é possível ter uma nova concepção das recompensas do trabalho. O teólogo e pastor puritano Richard Baxter também tinha a visão dos fins morais e espirituais do trabalho.

5 – O Sucesso não provém da Autoconfiança mas da Bênção de Deus

O calvinismo e o puritanismo ensinaram a ética da graça, ou seja, quaisquer recompensas tangíveis advindas do trabalho são o dom da graça de Deus. Na visão calvinista e puritana apenas trabalho não garante sucesso. A frase “cedo dormir e cedo levantar tornam um homem saudável, abastado e sábio” não é dos puritanos, essa frase é de Banjamin Franklin. O entendimento puritano era que “Em nossas ocupações estendemos nossas redes; mas é Deus quem Poe nas nossas redes tudo que vem nelas”.

6 – Moderação no Trabalho

Para os puritanos, em sua visão de trabalho, é preciso ter senso de moderação. É bem verdade que “os puritanos escarneciam do ócio e louvavam a diligência”, mas é preciso aprender que eles pregavam a moderação. O movimento puritano sempre viu o ócio, a preguiça como uma agressão aos mandamentos bíblicos, Baxter chegou a dizer que “é suíno e pecaminoso não trabalhar”. Os puritanos condenavam tanto o ócio quanto o vício do trabalho. John Cotton insistia que era preciso estar no meio termo entre o preguiçoso e o viciado no trabalho. O objetivo dos puritanos era a moderação. Enfim “Trabalhar com zelo e ainda não dar sua própria alma pelo trabalho” era o lema puritano que pregava a moderação no trabalho.

Ao contrário do que muitos pensam, os puritanos não capitalistas selvagens, não eram viciados em trabalho, não eram materialistas. Muitos eram ricos, pois trabalhavam moderadamente, viam o trabalho como uma vocação de Deus para servi-lo e criam na bênção do Senhor sobre o trabalho legítimo.

(Recomendo a Leitura de: “Santos no Mundo: os Puritanos como Realmente Eram” de Leland Ryken. Editora Fiel).