IV –
PRINCÍPIOS DA ÉTICA CRISTÃ
Pr. Gilson Soares dos Santos
Antes de prosseguirmos
com nosso curso é importante aprendermos alguns princípios da Ética Cristã.
4.1 – O Princípio da fé
Comecemos com o que o
apóstolo Paulo escreveu aos Romanos 14.22,23, conforme encontramos na Bíblia,
na versão de Almeida Revista e Atualizada (ARA):
22 A fé que tens, tem-na para ti mesmo perante Deus. Bem-aventurado
é aquele que não se condena naquilo que aprova.
23 Mas aquele que tem dúvidas é condenado se comer, porque o que
faz não provém de fé; e tudo o que não provém de fé é pecado. (Romanos
14.22,23)
O texto nos mostra a
bem aventurança do crente que não se condena naquilo que aprova, destacando que
aquele que tem dúvidas naquilo que aprova, não age com fé, sendo assim, comete
pecado.
Sobre o princípio da fé
e sobre esse texto, Renovato comenta o seguinte:
Neste texto, vê-se a ênfase na fé ou na convicção do
crente diante de Deus, quanto ao que ele faz ou deixa de fazer. Ele não precisa
recorrer a paradigmas humanos ou lógicos para posicionar-se quanto a atos ou
palavras. Se tem dúvida, não deve fazer, pois “tudo o que não é de fé é pecado..
Russel N. Champlin, em sua obra “O Novo testamento Interpretado Versículo por
Versículo”, comentando esse mesmo
texto nos diz o seguinte:
O crente que exerce a sua liberdade crista sentir-se-á
particularmente feliz se exercê-la de tal modo que não encontre causa de ≪autocondenação≫, isto é, se
a sua própria consciência não julgá-lo devido as suas ações. Mas aquele que
prejudica a consciência de um irmão na fé dificilmente tem o direito de
reivindicar essa bem aventurança. [...] Temos aqui a ideia da ≪certeza
quanto a orientação dada pelo Espírito≫, isto é, a aplicação prática do conhecimento
no que tange a conduta apropriada do crente, sobretudo no que se aplica a ≪liberdade
cristã≫. [...] Isto subentende que o crente sujeita a teste a
sua conduta. Aprovamos aquilo que mostra ser vantajoso para a comunidade cristã
inteira e não somente para nós mesmos.
Isso quer dizer que se
o nosso coração não tem dúvida, tudo o que fizermos está certo? Posso fazer
tudo o que meu coração aprova? Não. Não é isso que o texto quer dizer. Vejamos
o comentário de Renovato:
A pergunta a ser feita é: “O que pretendo fazer ou
dizer é de fé, com base na Palavra de Deus?”. Se a resposta for positiva, a
atitude será lícita. Se não, deve ser descartada, por ferir a ética cristã. Se
algo é de fé ou não na ética cristã, não deve ser uma questão pessoal, mas de
fé, com base na Bíblia. Essa é a lógica do Novo Testamento..
A palavra fé está
intimamente ligada à “convicção”. Porém “convicção” que tenha base na Palavra e
não na nossa intuição sobre as coisas.
4.2 – O princípio da licitude
e da conveniência
Para entendermos este
princípio, iniciemos com a leitura do texto bíblico que se encontra em I
Coríntios 6.12:
12 Todas
as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm. Todas as coisas me são lícitas,
mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas. (I Coríntios 6.12)
O texto acima está ligado à questão da licitude e da
conveniência. Sobre isto Renovato comenta:
Esse critério orienta o cristão a que não faça as coisas
apenas porque são lícitas, mas porque são lícitas e convêm, à luz do
referencial ético que é a Palavra de Deus. Há quem entenda esse princípio,
argumentando que se podemos fazer algo, é porque isso é lícito. À luz da ética
cristã, não é bem assim que se deve argumentar. Primeiro, diante de uma atitude
ou decisão a tomar, é preciso indagar se tal comportamento está de acordo com a
Palavra de Deus, se tem apoio nas Escrituras. Segundo, mesmo que seja lícito,
se convém. [...] Conforme este princípio, o cristão deve indagar. “O que desejo fazer é lícito?
Convém fazer, segundo a Palavra de Deus?”. Se a resposta for positiva, diante
da Bíblia, pode ser feito. Se não, deve ser rejeitado. O que é lícito e
conveniente não fere outros princípios bíblicos..
Sobre licitude e conveniência,
podemos ainda recorrer ao comentário que Champlin faz sobre esse texto de I
Coríntios 6.12. Vejamos o que ele diz:
≪...Todas as
cousas me são lícitas...≫ Podemos supor que o partido dos libertinos, na igreja
cristã de Corinto, usava esse ≪slogan≫, entre outros, provavelmente utilizando-se de
expressões paulinas, embora distorcidas. [...] A resposta de Paulo é dupla: 1.
Nem todas as coisas me são convenientes, nem pessoal e nem socialmente, sem
dúvida. Em outras palavras, devo ter cuidado com as minhas ações, para que não
venha a prejudicar a outros. (Com isso se podem comparar os trechos de I Cor.
7:35; 10:23 e 12:7). 2. Todas as coisas são legitimas, isto é, ≪estão em meu
poder≫ de serem praticadas, mas ≪...eu não me
deixarei dominar por nenhuma delas≫.
Em síntese, o que nos diz o princípio
da licitude e da conveniência para seu uso na ética cristã? Mesmo as coisas que
são lícitas só podem ser praticadas se se mostrarem convenientes segundo a
Palavra de Deus.
4.3 – O princípio da licitude e da edificação
Esse princípio encontra-se no texto
bíblico de I Coríntios 10.23, o qual diz:
23 Todas
as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas
edificam. (I Coríntios 10.23).
Com base neste texto, não basta que alguma conduta ou
proceder seja lícito, mas é preciso que contribua para a edificação do cristão.
É um princípio irmão gêmeo do anterior. A ênfase aqui é na edificação
espiritual de quem deve posicionar-se ante o fazer ou não fazer algo. [...] A
questão a ser posta, segundo esse princípio é: “O que quero fazer é lícito? Se
é lícito, tal coisa contribui para minha edificação e dos que estão à minha
volta?”. A resposta tem de ser confrontada com o referencial ético, que é a
Palavra de Deus. Se for positiva, a ação deve ser realizada. Se não, deve ser
deixada de lado.
4.4 – O princípio da glorificação a Deus
Este princípio pode ser encontrado, claramente, em I
Coríntios 10.31:
31 Portanto,
quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a
glória de Deus. (I Coríntios 10.31).
Sobre este princípio, da
glorificação a Deus, é válido aqui o comentário de Elinaldo Renovato de Lima.
Ele escreve o seguinte, em seu livro sobre Ética Cristâ:
Aqui temos um princípio ético abrangente, que inclui não
só o comer e o beber, mas “qualquer coisa”, que demande um posicionamento
cristão. No dia a dia, o cristão sempre se depara com situações, às vezes
triviais, que exigem uma tomada de posição. [...] Assim, qualquer atitude ou
decisão a tomar, em termos morais, financeiros, negócios, transações, etc.,
tudo pode passar pelo crivo do princípio da glorificação a Deus; e o crente
fiel, na direção do Espírito Santo, saberá responder sem maiores dificuldades.
[...] A indagação que o cristão deve
fazer, com base nesse princípio, é: “O que desejo fazer ou dizer contribui
para a glorificação de Deus?”. Se a resposta for afirmativa, pelo Espírito
Santo, a ação ou atitude pode ser executada. Se for negativa, é melhor que seja
rejeitada. O que contribui para glória de Deus não fere nenhum princípio
bíblico.
Vale salientar aqui que uma pessoa,
morta em seus delitos e pecados, jamais saberá diferenciar o que glorifica e o
que não glorifica a Deus. Esse princípio, então, aplica-se ao crente,
regenerado, cuja mente consegue perceber quais ações glorificam a Deus.
4.5 – O Princípio da ação em Nome de Jesus
Esse princípio da Ética Cristã pode ser encontrado na
Carta do Apóstolo Paulo aos Colossenses 3.17. Assim está escrito:
17 E tudo quanto
fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando
por ele graças a Deus Pai. (Colossenses 3.17).
Explicando esse princípio, a partir
do texto em questão, Elinaldo Renovato de Lima assim escreveu em sua obra
“Ética Cristã”:
A condição do crente para realizar ou deixar de realizar
algo, decorre da autoridade que lhe foi conferida pelo nome de Jesus. Assim,
quando o cristão se vê na contingência de tomar uma decisão, de ordem
espiritual, ou humana, pode muito bem concluir pela ação ou não, se puder
realiza-la no nome de Jesus, conforme orienta o apóstolo Paulo aos irmãos
colossenses. [...] o teste a ser
feito, diante da decisão a tomar, é: “Posso fazer isso em nome do Senhor
Jesus?”. Se a resposta, pelo Espírito Santo, for sim, é lícito e convém. Se
não, não deve ser feito ou dito, pois não é lícito nem convém. Os princípios
éticos cristãos não se excluem, mas se somam para fortalecer a decisão a ser
tomada..
É sabido que muitos usam o nome do
Senhor Jesus de maneira vã. Mas lembremos que estamos falando sobre a Ética
Cristã que, necessariamente, deve nortear a vida do verdadeiro cristão. E todo
cristão verdadeiro sabe agir em nome do Senhor Jesus, o Cristo.
4.6 – O princípio do fazer
para o Senhor
Esse princípio está
expresso formalmente em Colossenses 3.23.
“23 E
tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor e não aos
homens.” (Colossenses 3.23).
Ainda recorrendo ao que
escreveu Renovato, podemos encontrar o seguinte comentário para este princípio:
O apóstolo S. Paulo asseverou: “Porque persuado eu agora
a homens ou a Deus? Ou procuro agradar a homens? Se estivesse ainda agradando
aos homens, não seria servo de Cristo” (G11.10). [...] Essa é a questão: Diante
de uma atitude, de uma decisão, devemos indagar: “Estamos agradando a Deus ou
aos homens? Estamos fazendo, de todo o coração, ao Senhor?”. A resposta deve
ser honesta, consultando não o coração, mas a Palavra de Deus..
O princípio de fazer para o Senhor é
importante para orientar o cristão naquelas ocasiões onde a dúvida sobre
qualquer coisa surgir. Pensemos que devemos fazer para o Senhor, sendo assim,
nenhum cristão que experimentou o novo nascimento e busca uma vida de acordo
com a vontade de Deus faria algo para agradar aos homens, desagradando ao
Senhor. Também, o cristão que anda segundo os padrões divinos, ao fazer o bem a
alguém pensará em agradar ao seu Senhor.
4.7 – O princípio do respeito ao irmão mais
fraco
Um
dos textos que nos lembram o princípio do irmão mais fraco é I Coríntios
8.9-13. Leiamos:
9 Vede, porém, que esta vossa liberdade não venha, de algum modo, a
ser tropeço para os fracos.
10 Porque, se alguém te vir a ti, que és dotado de saber, à mesa,
em templo de ídolo, não será a consciência do que é fraco induzida a participar
de comidas sacrificadas a ídolos?
11 E assim, por causa do teu saber, perece o irmão fraco, pelo qual
Cristo morreu.
12 E deste modo, pecando contra os irmãos, golpeando-lhes a
consciência fraca, é contra Cristo que pecais.
13 E, por isso, se a comida serve de escândalo a meu irmão, nunca
mais comerei carne, para que não venha a escandalizá-lo. (I Coríntios 8.9-13).
A respeito desse
princípio Renovato nos diz:
No texto bíblico acima, vemos que o apóstolo ensinava
sobre os que comiam coisas sacrificadas aos ídolos. S. Paulo diz que os mesmos
tinham “fraca consciência” e que os que têm ciência, sentando-se à mesa no
templo dos ídolos, podem induzir o que é fraco a pecar. “E, pela tua ciência,
perecerá o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu... ferindo a sua
fraca consciência, pecais contra Cristo” (ênfases minhas). Desse texto,
podemos tirar várias lições para a vida do cristão em relação aos outros irmãos
mais novos na fé, ou mesmo antigos, que têm consciência fraca. O apóstolo chega
ao extremo de dizer que se pelo manjar que come, um irmão se escandaliza, nunca
mais haveria de comê-lo..
4.8 – O princípio do evitar a aparência do
mal
Comecemos com o texto que ampara
esse princípio:
“22 Abstende-vos de toda
aparência do mal”. (I Tessalonicenses 5.22).
Em seu livro “Ética Cristã: Confrontando as Questões Morais do Nosso Tempo”,
Elinaldo Renovato apresenta o princípio do desviar-se da aparência do mal da
seguinte maneira:
Ser cristão verdadeiro não é nada fácil num mundo em que
os valores morais estão relativizados. Não basta evitar o mal, é preciso evitar
também a aparência do mal. [...]O que se deve perguntar é: “O que penso
em fazer ou dizer pode dar a aparência do mal?”. Se a resposta for positiva, é
melhor evitar o que se tem em mente. Se for negativa, pode ser feito, mas
levando-se em conta os outros princípios da ética cristã citados..
Diante dos princípios
expostos acima, alguém pode mencionar que para todo e qualquer caso de dúvida
devemos seguir nossa consciência. Será que é isso mesmo? Nas palavras de R. C.
Sproul, a coisa não é tão simples assim, pois “a função da consciência em
tomarmos decisões éticas tende a complicar as coisas para nós.”.
Por que o R. C. Sproul coloca
a consulta à consciência como algo que pode complicar as coisas? Ele mesmo
explica no contexto:
“Somos tendentes a pensar na consciência como uma coisa celestial,
um ponto de contato com Deus, e não um órgão infernal. Pensamos no personagem
de desenho animado que está diante de uma decisão ética, enquanto um anjo está
sentado num dos ombros, e um demônio, no outro, brincando de cabo de guerra com
a cabeça do pobre homem. A consciência pode ser a voz do céu ou do inferno; ela
pode mentir, bem como impelir-nos à verdade. Pode filar de ambos os lados de
sua boca, tendo a capacidade tanto de acusar como de desculpar.”.
No entanto, o mesmo Sproul vem em
defesa da consciência, ao dizer que: “Embora a consciência não seja o tribunal
supremo de ética, ê perigoso agir contra ela. [...] A consciência é um
instrumento delicado que precisa ser respeitado”.
A conclusão é que precisamos seguir
os princípios da ética cristã, usando nossa consciência, porém esta deve ser
guiada pela Palavra de Deus.