A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA NO CONTEXTO CRISTÃO
Pr.
Gilson Soares dos Santos
Qual
a importância da filosofia para um cristão? Recorreremos, no primeiro momento
ao que escreve Geisler e Feinberg (1989, p. 60):
“A filosofia
apresenta um desafio específico para o cristão, de modo tanto positivo quanto
negativo. A filosofia é útil na construção do sistema cristão e na refutação de
pontos de vista contrários. Há um texto crucial no Novo Testamento que
corresponde a estas duas tarefas. Paulo disse: ‘Anulamos sofismas e toda
altivez que se levante contra o conhecimento de Deus [aspecto negativo],
levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo [aspecto positivo]’ (II
Co 10.5). Sem um conhecimento eficiente da filosofia, o cristão está à mercê do
não cristão na arena intelectual. O desafio do cristão é ‘superar no
pensamento’ o não cristão tanto na edificação da igreja quanto em derrubar
sistemas de erro.
Se esta é a tarefa do
cristão na filosofia, como, pois se explica a advertência do apóstolo Paulo no
sentido de ‘cuidar que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia’ (Cl 2.8)?
Infelizmente, alguns cristãos têm entendido este versículo como sendo uma
injunção contra o estudo da filosofia.
Esta ideia é incorreta por várias razões. Primeiramente, o versículo não é uma
proibição contra a filosofia propriamente dita, mas, sim, contra a falsa filosofia, pois Paulo acrescenta:
‘e [cuidado com] as vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens’. Na
realidade, Paulo está advertindo contra uma filosofia falsa específica, um tipo
de gnosticismo incipiente que tinha se infiltrado na igreja em Colossos (o grego
tem um artigo definido que indica uma filosofia específica). Finalmente, não
podemos realmente, ‘acautelar-nos’ da falsa filosofia a não ser que
primeiramente tenhamos consciência dela. Um cristão deve reconhecer o erro
antes de ir contra ele, assim como um médico deve estudar a doença antes de
poder tratá-la com o devido conhecimento.”
1 – A
base bíblica para a filosofia cristã
Continuemos
com Geisler e Feinberg (Idem, p.61):
“Deus não dá prêmio à
ignorância. Os cristãos não recebem uma recompensa espiritual por uma fé
ignorante. A fé pode ser mais meritória
do que a razão (‘sem fé é impossível agradar a Deus’ Hb 11.6), mas a razão é
mais nobre (‘Estes eram mais nobres
que os de Tessalônica; pois... examinaram as Escrituras todos os dias para ver
se as coisas eram de fato assim’ At 17.11). Na realidade, o ‘grande mandamento’
ao cristão é: ‘Amarás o Senhor teu Deus... de todo o teu entendimento” (Mt 22.37). Pedro diz que devemos sempre estar
preparados “para responder a todo aquele que vos pedir a razão da esperança que há em vós” (I Pe 3.15). Paulo diz que
estamos ocupados ‘na defesa e
confirmação do evangelho’ (Fp 1.7), e ele mesmo ‘arrazoou... acerca das Escrituras’ (At 17.2)
É verdade que somos
advertidos contra a ‘sabedoria do mundo’ (I Co1.20). Mas esta, também, faz
parte do desafio da filosofia para o cristão.”
2 –
Os papéis da filosofia para um cristão
Moreland
e Craig (2012, p. 31) apresentam sete razões da importância da filosofia para o
desenvolvimento de uma vida religiosa consistente:
“Primeira, a filosofia auxilia a tarefa da
apologética, cujo objetivo é estabelecer uma defesa plausível do teísmo cristão
em face das objeções que lhe são apresentadas, oferecendo evidências positivas
a seu favor. As Escrituras ordenam que nos ocupemos da apologética (I Pe 3.15;
Jd 1.3). Os profetas do Antigo Testamento frequentemente recorreram a vastos
argumentos sobre a natureza do mundo para justificar a religião de Israel. Por
exemplo, eles ridicularizaram os ídolos pagãos por sua fragilidade e
insignificância. O mundo é muito grande, afirmavam, para haver sido feito por
algo tão pequeno (v Is 44 e 45). Argumentos como esses admitem uma posição
filosófica sobre a natureza da causalidade; por exemplo, que um efeito (o
mundo) não pode advir de algo menos poderoso do que ele próprio (o ídolo). Da
mesma forma, os profetas frequentemente recorriam aos princípios gerais do
raciocínio moral para criticar a imoralidade das nações pagãs (p. ex., Am 1 e
2). Argumentos como esse utilizam a lei moral natural e os princípios
filosóficos gerais do raciocínio moral.”
“Segunda, a filosofia auxilia a igreja na atividade
polemista (contestação). Enquanto a
apologética envolve a defesa do teísmo cristão, a contestação tem por tarefa
criticar e refutar as visões alternativas de mundo.”
“Terceira, a filosofia é uma manifestação central da
imagem de Deus em nós. É muito difícil propor uma definição incontestável da
imagem de Deus, mas a maioria dos teólogos concorda que ela inclui a habilidade
em se ocupar do raciocínio abstrato, especialmente nas áreas relacionadas às
questões éticas, religiosas e filosóficas. O próprio Deus é um ser racional, e
os humanos são como ele nesse sentido. Essa é uma das razões pela qual os
homens são ordenados a amar a Deus de todo o seu entendimento (Mt 22.37). Uma
vez que a filosofia, assim como a religião, é uma disciplina que enfoca
principalmente as questões fundamentais acerca do âmago da existência, então a
reflexão filosófica a respeito de Deus, de sua revelação especial e geral faria
parte do nosso modo de amá-lo e de refletir em seus pensamentos.”
“Quarta, a filosofia permeia a teologia sistemática
e atua como sua serva, ajudando de várias maneiras a clarificar seus conceitos.
Por exemplo, os filósofos cooperam na explicação dos diferentes atributos de
Deus, ao demonstrar que as doutrinas da Trindade e da encarnação não são
contraditórios; ao esclarecer, também, a natureza da liberdade humana e assim
por diante.”
“Quinta, a filosofia pode facilitar a disciplina
espiritual do estudo. O estudo em si mesmo é uma disciplina espiritual, e o
simples ato de estudar pode mudar o eu.”
“Sexta, a disciplina da filosofia pode elevar a
ousadia e a autoimagem da comunidade cristã em geral. [...] Gager afirma que
foi principalmente a presença dos filósofos e apologistas dentro da igreja que
elevou a autoconfiança da comunidade cristã, pois esses primeiros estudiosos
mostraram que a comunidade cristã era tão intelectual e culturalmente rica
quanto a cultura pagã que a circundava.”
“Sétima, a disciplina da filosofia é absolutamente
essencial para a tarefa da integração.
Integrar significa misturar ou formar um todo. Nesse sentido, a integração
ocorre quando as convicções teológicas do indivíduo, principalmente as baseadas
nas Escrituras, estão misturadas e unidas a proposições julgadas racionais por
outras fontes, dentro de uma cosmovisão cristã coerente e intelectualmente
adequada.”
Concluímos
lembrando que a própria história da igreja cristã revela que a filosofia sempre
exerceu papel de grande importância na educação dos crentes para a proclamação
da cosmovisão cristã.
BIBLIOGRAFIA
GEISLER, Norman L. FEINBERG, Paul D. Introdução à Filosofia: Uma Perspectiva Cristã.
São Paulo: Vida Nova. 1989.
MORELAND, J. P. CRAIG, William Lane. Filosofia
e Cosmovisão Cristã.
São Paulo: Vida Nova. 2012.