Algumas pessoas e igrejas são tentadas a enquadrar essas necessidades na lei do mercado. Se há procura, deve haver oferta. Se há problemas difíceis demais, grandes demais, tristes demais e complexos demais, deve haver milagres. Então monta-se uma banca ou um estande de milagres. O nome de Deus é usado inescrupulosamente. E os milagres não são feitos ao pé do ouvido, mas de forma sensacionalista; quanto mais público for, melhor. Se uma igreja não “fazia” milagres, ela passa a fazer para não perder fiéis e para crescer como a outra está crescendo. Os milagres são gratuitos, como os prêmios de Seleções do Reader’s Digest, que já estão a caminho, mas só chegam se o interessado assinar a revista. Em alguns casos – todo mundo sabe – o pagamento do milagre pode se chamar dízimo ou uma oferta de fé de alto valor, que demonstram prévia gratidão a Deus.
No final de 2004, certa denominação neopentecostal realizou uma grande concentração para festejar o aniversário de sua fundação. Havia muitas visitas. Depois de pregar por cerca de meia hora, o fundador da igreja gastou mais 30 minutos para falar sobre as revelações que Deus lhe havia feito pouco antes a respeito de algumas pessoas ali presentes. Não citou nomes. Mencionou por alto a faixa etária, o sexo e as situações pelas quais passavam (desemprego, risco de suicídio, doença grave, casamento em processo de rompimento etc.). Embora não tivesse nenhuma conotação financeira, o discurso pareceu uma propaganda ostensiva do pregador, da denominação e do dom da revelação.
Comparando essa cena e muitas outras demonstrações estudadas de milagres em reuniões, programas de televisão e órgãos de imprensa com as curas realizadas por Jesus Cristo, chega-se à conclusão de que há um grande abismo entre uma coisa e outra. Em seu livro Jesus Mestre de Nazaré, Aleksandr Mien, da Igreja Ortodoxa Russa, diz que Jesus “procurava sempre esconder das multidões os prodígios que operava. ‘Não digais a ninguém’ era só o que repetia a todos os que curava; e em geral, ele era contrário a que o povo fosse narrando por onde passava os fatos extraordinários por ele realizados. Portanto, era evidente que Jesus não queria transformar os milagres em mera arma que forçasse os inimigos a crerem nele” (Jesus Mestre de Nazaré, p. 144). Carlos Caldas, do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Mackenzie, lembra que está se fazendo uma inversão da ênfase bíblica. Enquanto Jesus diz: “Estes sinais acompanharão os que crerem” (Mc 16.17), estamos dizendo: “Os que creem seguiram estes sinais”.
Quando se tem a ousadia de transformar milagres em marketing, ao mesmo tempo o pastor de ovelhas é transformado em empresário. Nessa metamorfose maldita, o pastor substitui a teologia pela economia e alcança muito sucesso. No caderno “Ideias” do Jornal do Brasil de 16 de abril de 2005 lê-se que “a Igreja Universal do Reino de Deus adota padrões de expansão dignos das mais modernas empresas de serviços profanos”.