ÉTICA E INFINITO, EM EMMANUEL LÉVINAS
Gilson
Soares dos Santos e Ana Cláudia Gomes
A filosofia de Emmanuel Lévinas (1905-1995)
tem como propósito o discurso sobre a responsabilidade para com o outro ser
humano. Ele procura enfatizar a não-indiferença pelo rosto do outro. Sua ética
é exposta, de forma clara, em totalidade
e infinito e ética infinito, uma das suas principais obras de filosofia,
como “a ética da responsabilidade para com os outros”. Sua filosofia traz uma
resposta para a crise de ética de sua época. Para ele, o começo da filosofia é
a responsabilidade com o outro. O infinito é o outro. O termo “metafísica”
encontra em Lévinas significado próprio. A metafísica de Lévinas é a ética. É
nosso propósito, neste trabalho, fazermos uma leitura interpretativa da ética
levinasiana, buscando entender, acima de tudo, a definição que o filósofo faz
sobre o rosto do outro e da nossa responsabilidade para com o outro, que não é
apenas exterioridade do rosto, mas o humano que nos torna humano.
Lévinas inicia tratando da natureza histórica
da filosofia, que buscou sintetizar universalmente tudo aquilo que é
significativo, reduzindo as coisas ao conceito de totalidade. Uma filosofia que
exalta o sujeito, colocando-o num pedestal, e, portanto, traindo a ideia de
sujeito como estar sujeito a algo ou alguém. Para ele, na história da filosofia
foi difícil encontrar uma ruptura entre totalidade e infinito, e foi somente em Franz Rozensweig
que Lévinas encontrou, pela primeira vez, uma crítica radical contra a
totalidade. Em oposição à totalidade, que foi uma tendência do pensamento
filosófico ocidental, a filosofia levinasiana construiu a ideia de infinito. E,
embora a idéia de infinito em Lévinas seja construída a partir de Descartes,
sua filosofia estabelece diferença da filosofia cartesiana porque para
Descartes o infinito é Deus, para Lévinas o infinito é o outro. A possibilidade
do Outro, da responsabilidade com o outro. E isso não se trata de pensar
conjuntamente o eu e o outro, mas, conforme o filósofo, de estar diante, no
"frente a frente" dos humanos.
1 O
ROSTO
A partir do rosto do outro, de um olhar para
o rosto do outro, Emmanuel Lévinas busca construir uma nova visão de humano.
Porém a exterioridade do rosto não permite que se tenha um conhecimento do
outro. Não nos limitamos a ver o rosto do outro como nariz, olhos, testa,
queixo, etc., Se assim o fizermos, então nos voltamos para o outro como objeto.
É nesse ponto que Lévinas mostra que "o que é especificamente rosto é o
que não se reduz a ele". Não importa o que possamos ver, há no rosto uma
pobreza essencial, e não se pode ter um conhecimento seguro sobre o outro
apenas contemplando a exterioridade do rosto, pois simplesmente o rosto pode
disfarçar. Porém é o rosto que nos impede de matar. Isso faz sentido se
conseguirmos ver o humano no rosto do outro. A primeira relação que temos com o
rosto é uma relação de ética. A primeira palavra do rosto é "tu não
matarás". De certa forma, quando nos encontramos com o outro podemos todas
as coisas, inclusive matar o outro, mas não o fazemos porque o rosto do outro
diz "Podes matar", mas o mesmo rosto diz "Não matarás". O
rosto me leva à responsabilidade. Porque o rosto do humano corresponde ao
humano. Talvez seja possível tirar a vida de um homem, porém seu rosto
continuará lá.
Lévinas confirma a indagação de Philippe Nemo
admitindo que o discurso humano também é uma maneira de se romper com a
totalidade, porém, deixa bem claro que esse discurso começa no rosto do humano.
Para Lévinas, o rosto fala. A capacidade de compreender isso é que leva ao
discurso. Porque é o rosto que torna possível e começa todo o discurso.
O rosto do outro me dá uma ordem para não
matá-lo, diz a ética levinasiana, e essa ordem obedeço porque vejo no rosto do
outro "o pobre por quem tudo posso e a quem tudo devo." Embora Lévinas
admita que existe o ódio e a violência contra o próximo, defende que isso
acontece num segundo momento, por causa da presença do terceiro elemento, isto
é, se estou diante do outro devo-lhe tudo, mas há o terceiro, o qual não sei
estará de acordo com o outro. Para que as guerras, o ódio, a inveja, as
atitudes desumanas não existam, é preciso estabelecer a relação interpessoal
com o outro, mas também com todos os homens.
Lévinas sustenta que está construindo a ética
do "rosto" que rompe com as filosofias da totalidade. Ele parte da
idéia cartesiana do infinito: eu não posso, como ser finito, ter em mim a ideia
de um Deus infinito, exceto se esse Deus, que é infinito, inserir tal ideia em mim. Para ele, no acesso
ao rosto há, certamente, também a idéia de Deus. O infinito começa a partir do
rosto do outro, da responsabilidade com o outro.
3 A RESPONSABILIDADE POR OUTREM
Lévinas mostra, em sua filosofia, que a
responsabilidade deve estar direcionada a outrem. Para ele, essa é a estrutura
essencial, estrutura primeira. Essa responsabilidade é considerada na ética
como o próprio nó do subjetivo. É romper com o pensamento filosófico egoísta.
Somente assim, assumimos responsabilidades com o outro. Segundo o filósofo,
"o laço com o outro só se aperta com responsabilidade". Essa
responsabilidade nos faz mais humanos, mais servos, mais "livres para
servir". É uma diaconia que envolve responsabilidade com o outro sem
esperar nada em troca, sem buscar recompensas, sem desejo de reciprocidade. “É
uma responsabilidade que vai além do que eu faço”, defende.
Lévinas nos leva à compreensão de que, se
olharmos o rosto do outro positivamente, certamente teremos abraçado a ideia da
necessidade de uma doação em prol do outro, por quem me torno inteiramente
responsável, mesmo sem assumir responsabilidades para com ele.
Na filosofia levinasiana, a responsabilidade
com o outro vai a tal ponto que nos tornamos responsáveis quando os outros não
fazem o que têm que fazer. Lévinas afirma "eu próprio sou responsável pela
responsabilidade de outrem". Jamais alguém deve pensar que "o outro
não é nada, ele nada tem a ver comigo". Esse tipo de pensamento é o que
gera a guerra, que coloca todos os indivíduos dentro da totalidade, fazendo
deles parte de um todo. Ser humano, para a ética levinasiana, "é viver
como se não fosse um ser entre os seres".
Diante de nossas reflexões sobre a filosofia
de Lévinas, compreendemos que sua ética é contextual, aplica-se perfeitamente à
realidade do mundo contemporâneo, que necessita de homens e mulheres que vivam
ética e amorosamente esta vida. Se conseguirmos enxergar o humano no rosto do
outro, assumiremos responsabilidades para com outrem, e certamente viveremos a
ética de Emmanuel Lévinas, que é a ética de todos os humanos.
BIBLIOGRAFIA
LÉVINAS, Emmanuel. Ética e infinito – diálogos com Philippe Nemo. Lisboa: Edições 70,
1982. P.67-93.