CRISTO FOI AO INFERNO E PREGOU PARA OS MORTOS? ERUDITOS
RESPONDEM
Pr.
Gilson Soares dos Santos
Um dos mais difíceis textos da Bíblia
encontra-se em I Pedro 3.18-20, onde encontramos: “18
Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos
injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no
espírito, 19 no qual também foi e pregou
aos espíritos em prisão, 20 os quais,
noutro tempo, foram desobedientes quando a longanimidade de Deus aguardava nos
dias de Noé, enquanto se preparava a arca, na qual poucos, a saber, oito
pessoas, foram salvos, através da água,”. Teria Cristo ido ao inferno e pregado para as almas dos
que morreram no dilúvio?
Na postagem
de hoje, estarei fazendo esta pergunta a eruditos. É claro, não os entrevistei
pessoalmente, encontrei as respostas em suas obras.
I –
PERGUNTA A GLEASON ARCHER
PASTOR GILSON: Como podemos entender I Pedro 3.18-20? Cristo foi ao
Hades e pregou para as pessoas que morreram no dilúvio? Haveria possibilidade
de salvação para aquelas almas por meio da pregação de Cristo?
GLEASON ARCHER: Se examinarmos essa
sentença cuidadosamente, em seu escopo total, descobriremos que a passagem não
ensina tal coisa — pois contraria Hebreus 9.27: "... o homem está
destinado morrer uma só vez, e depois disso enfrentar o juízo".
PASTOR
GILSON: Explique
melhor.
GLEASON
ARCHER: Na
versão NASB, 1 Pedro 3.18-20 foi traduzido assim: "Porque
Cristo morreu pelos pecados, de uma vez por todas, o justo pelos injustos, para
conduzir-nos a Deus, tendo sido sentenciado à morte na carne, mas vivificado no
espírito; no qual ele foi também e fez proclamação aos espíritos agora na
prisão, que outrora foram desobedientes, quando a paciência de Deus esperou nos
dias de Noé, durante a construção da arca, pela qual uns poucos, isto é, oito
pessoas, se salvaram das águas".
Observamos, pela tradução
acima, que o verbo que se traduz por "pregou" em KJV não equivale ao
grego euangelizomai ("pregar ou levar boas-novas"), que
certamente significaria que depois de sua crucificação Cristo realmente levou
uma mensagem de salvação às almas perdidas no Hades; antes, o verbo é ekēryxen,
derivado de kērysso ("proclamar uma mensagem", da parte de um
rei ou potentado). O que o versículo 19 diz na verdade é que Cristo fez uma
proclamação às almas que estavam aprisionadas no "Sheol"— ou Hades.
PASTOR
GILSON: Quais
as possiblidades de entendimento nesta passagem?
GLEASON
ARCHER: O
conteúdo dessa proclamação não é claro para nós, mas há duas possibilidades:
1) A proclamação feita pelo Cristo
crucificado no Hades a todas as almas dos mortos pode ter sido essa: o preço do
pecado havia sido pago, e todos os que haviam morrido na fé deveriam aprontar-se
para subir ao céu, o que ocorreria logo, no domingo da ressurreição, ou da Páscoa.
2) A proclamação poderia dizer respeito à
urgente advertência que Noé havia feito à sua própria geração, no sentido que
se refugiassem na arca, antes que o grande dilúvio destruísse toda a raça
humana.
Dessas duas opções, a primeira diz respeito a
uma ocorrência real (cf. Ef 4.8); essa proclamação teria sido feita a todos os
habitantes do Hades, em geral, ou então só aos redimidos, em particular.
Mas a segunda parece ter sido a proclamação
que Pedro tinha em mente aqui, visto que a única audiência mencionada é a
geração de Noé, aprisionada no Hades, aguardando o julgamento final. Esse
versículo significa, então, que Cristo, mediante o Espírito Santo solenemente advertiu
os contemporâneos de Noé, por meio do próprio Noé (conforme descrição em 2 Pe
2.5) como "pregador [ou 'arauto'] da justiça". Observe-se que
"pregador" neste versículo é kēryka, a mesma raiz de ekēryxen
a que se refere 1 Pedro 3.19.
Portanto, parece-nos muito evidente que a
passagem discutida nos assegura que até mesmo naqueles tempos antigos, nos dias
de Noé, quando o Senhor estava em estado de pré-encarnação, o Verbo estava
interessado na salvação dos pecadores. Assim é que o ato pelo qual a família de
Noé se salvou mediante a arca foi um evento profético, apontando para a
provisão graciosa de Deus pela expiação substitutiva numa cruz de madeira —
à semelhança do instrumento de livramento, a arca, que salvou Noé do julgamento
divino sobre a humanidade culpada. Em ambos os casos apenas os que pela fé se
refugiam no meio de salvação proposto por Deus podem livrar-se da destruição.
Esse relacionamento entre tipo/antítipo é
equacionado com clareza em 1 Pedro 3.21: "e isso é representado pelo [ARA
traduz assim antitypon] batismo que agora também salva vocês — não a
remoção da sujeira do corpo, mas o compromisso [epērōtēma] de uma boa
consciência diante de Deus — por meio da ressurreição de Jesus Cristo". Em
outras palavras, o arrependimento do pecado e a confiança só em Cristo, para a
salvação com base em sua expiação e ressurreição, são os elementos que suprem o
livramento do pecador culpado e tornam possível que esse obtenha "uma boa
consciência", com base na convicção de que todos os seus pecados foram pagos
completamente pelo sangue de Jesus.
Diante da geração de Noé, correspondendo ao
mundo perdido dos dias de Pedro (e de todas as gerações a partir de então,
podemos ter certeza disto), somos forçados a concluir que a proclamação a que
se refere o versículo 19 ocorreu, não quando Cristo desceu ao Hades, após sua
morte no Calvário, mas em Espírito, o qual falou pela boca de Noé, durante
aqueles anos em que a arca era construída (v. 20). Portanto, o versículo 19
nenhuma esperança oferece de uma "segunda oportunidade" para quem
rejeitou Cristo durante sua vida aqui na Terra.
(ARCHER. Gleason, Enciclopédia de dificuldades bíblicas. 1 Ed. 2ª Reimpressão. São
Paulo: Vida. 1998. p. 454,455.)
II –
PERGUNTA A NORMAN GEISLER E THOMAS HOWE
PASTOR
GILSON: O
texto de I Pedro 3.18-20 sugere que Cristo foi ao Hades, pregou para as pessoas
que morreram no dilúvio, com chance de salvação para elas?
GEISLER
E HOWE:
Primeiro, deve-se notar que não há versículo algum na Bíblia que estenda a
esperança da salvação para após a morte. A morte é o ponto final, e há apenas
dois destinos - o céu e o inferno, entre os quais há um grande abismo, que não
pode ser atravessado (veja os comentários de 1 Pedro 3:19). Assim, seja o que
for que a expressão "pregado a mortos" possa significar, isso não
implica que haja salvação após a morte.
Segundo, essa é uma passagem não clara,
sujeita a muitas interpretações, e, portanto, nenhuma doutrina deve basear-se
numa passagem duvidosa como essa. Os textos difíceis devem ser sempre interpretados
à luz dos que são claros, e não o contrário.
Terceiro, há outras possíveis interpretações
dessa passagem que não entram em conflito com o ensino do restante das
Escrituras.
PASTOR
GILSON: Quais
são as possíveis interpretações?
GEISLER
E HOWE: Primeira
possibilidade: É possível que ela se
refira àqueles que agora estão mortos, e que ouviram o Evangelho no tempo em
que estavam vivos. Em apoio a isso é citado o fato de que o Evangelho "foi
pregado" (no passado) àqueles que estão "mortos" (situação
presente).
Segunda possibilidade: alguns creem que essa
não seja uma referência a seres humanos, mas aos "espíritos em
prisão" (anjos) mencionados em 1 Pedro 3:19 (cf. 2 Pe 2:4 e Gn 6:2).
Terceira possibilidade: Ainda outros afirmam que, embora os mortos sofram a
destruição de sua carne (1 Pe 4:6), ainda vivem com Deus em virtude do que
Cristo fez por meio do Evangelho (ou seja, sua morte e ressurreição). Essa
mensagem de vitória foi anunciada por Cristo em pessoa ao mundo espiritual
depois de sua ressurreição (cf. 1 Pe 3:18).
PASTOR
GILSON: O
universalismo, doutrina que prega que todos serão salvos, defende que Cristo
pregou para as almas dos que foram mortos nos dias de Noé, alegando que isto é
a prova de que todos serão salvos. Isto procede?
NORMAN
GEISLER: Não
existe aqui fundamento para o Universalismo.
Primeiro, não existe aqui sugestão
de que Jesus tenha oferecido esperança de salvação a estes “espíritos em prisão.”
O texto não diz que Cristo os evangelizou,19 mas simplesmente que proclamou a
eles a vitória da sua ressurreição. Esta posição se encaixa no contexto (já que
o verso anterior fala da morte vitoriosa e da ressurreição de Cristo) e esta de
acordo com o ensino de outras passagens do Novo Testamento (cf. Ef 4.8; Cl
2.15).
Segundo, Pedro não esta
falando de todas as pessoas, mas de um grupo limitado “os quais em outro tempo
foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé,
enquanto se preparava a arca” (v. 20).
Terceiro, a Bíblia e clara que não
existe uma segunda chance depois da morte (cf. Hb 9.27). O livro de Apocalipse
fala do juízo do Grande Trono Branco, no qual aqueles que não foram encontrados
no Livro da Vida receberão o devido castigo, sendo enviados para o lago de fogo
(20.11-15). Lucas também registra o ensino de Cristo a esse respeito. Ele afirma
que depois que uma pessoa morre, ela vai direto para o céu ou para o inferno (16.19-31),
e que existe um grande abismo entre ambos “de sorte que os que quiserem passar
de um lado para o outro ficam impedidos” (cf. v. 26). A urgência que devemos
ter em responder a Deus ainda nesta vida, antes da morte, também serve de
fundamento para o fato de não haver mais esperança no além-túmulo (cf. Pv 29.1;
Jo 3.36; 5.24).
Quarto, e por ultimo, não
existem evidencias conclusivas de que a expressão “espíritos em prisão”, na
verdade, trate-se de uma referencia a seres humanos. Em nenhuma outra parte
esta expressão e utilizada para designar os seres humanos no inferno. Muitos estudiosos
acreditam que os “espíritos” que invadiram a humanidade nos “dias de Noé” eram
os mesmo “Filhos de Deus” (expressão utilizada para os anjos em Jo 1.6; 2.1;
38.7). Independentemente do que sejam estes “espíritos”, humanos ou angelicais,
não existe fundamento para a ideia de que Pedro esteja se referindo a toda a
humanidade, nem que todos os seres humanos serão salvos.
(GEISLER. Norman, HOWE. Thomas, Manual popular de dúvidas, enigmas e
‘contradições’ da Bíblia. 12ª Reimpressão. São Paulo: Mundo Cristão. 2009.
p. 540,541).
(GEISLER, Norman. Teologia Sistemática. Vol. 2. Rio de Janeiro: CPAD. 2010. p. 308)
III –
PERGUNTA A D. A. CARSON*
PASTOR GILSON: Como entender I Pedro 3.18-20?
Cristo foi ao Hades e pregou aos mortos do dilúvio, oferecendo-lhes chances de
salvação?ades
há
CARSON: O texto de I Pedro 3.18-20, segundo alguns comentadores,
Cristo pode ter pregado a todos os mortos em uma de três maneiras:
1) para lhes
oferecer uma segunda oportunidade de salvação;
2) para
anunciar a sua vitória sobre a morte e o triunfo sobre o poder do mal e assim
confirmar a sentença sobre os incrédulos e anunciar a libertação aos crentes;
3) para
anunciar a libertação do purgatório àqueles que tinham se arrependido justo
antes de perecerem no dilúvio, segundo os católicos. Qual dessas interpretações
tem sustentação bíblica?
Nem a
primeira nem a última dessas três podem ser fundamentadas nas Escrituras, mas a
segunda tem sido defendida por muitos comentaristas como adequada à evidência
neotestamentária. Outros consideram os espíritos
em prisões os anjos caídos de Gênesis 6.1-8 aos quais há alusão em II Pedro
2.4-10 e Judas 6, como também no livro apócrifo de I Enoque. O alvo de Pedro
nesse contexto é mostrar que o propósito de Deus está sendo executado até mesmo
em épocas de sofrimento. Assim, seria melhor entender a pregação como uma
declaração do triunfo de Cristo, a fim de declarar (22) que todos os anjos, potestades, e poderes estão subordinadas a ele. Grudem (TNTC) resume
num apêndice os diversos pontos de vista e afirma que os espíritos eram
contemporâneos de Noé que rejeitaram o Espírito de Cristo por meio de Noé (II
Pe 2.5) e agora estão na prisão que é o lugar onde estão os mortos.
Nenhum ponto
de vista está livre de dificuldades, mas o uso de um verbo que traz a conotação
de progressão constante e propositada (foi
[19] e depois de ir [22] são
ambos tradução da mesma palavra grega poreutheis)
que sugere que Pedro está relatando o que Jesus realizou entre sua morte e
exaltação.
(CARSON, D. A. et. al. Comentário Bíblico Vida
Nova. São Paulo: Vida Nova. 2012. p. 2068-2069).
* Embora o
Comentário Bíblico Vida Nova tenha a co-autoria de R. T France, J. A. Montyer e
G. J. Wenham, preferimos usar o nome de D. A. Carson.
IV –
PERGUNTA A TOKUNBOH ADEYEMO*
PASTOR GILSON: Cristo realmente foi ao inferno e pregou para as almas
dos que morreram nos tempos de Noé, segundo encontramos em I Pedro 3.18-20?
ADEYEMO: Quando
a morte separou o espírito de Cristo do seu corpo, ele pôde pregar no mundo dos
espíritos (3.19). [...] Pedro diz que Cristo pregou apenas àqueles que foram
desobedientes nos dias de Noé
(3.20b), provavelmente por serem considerados os que pecaram de modo mais
profundo. Afinal, Deus exterminou toda a vida na terra por causa do pecado
deles! É possível que Pedro também tenha focalizado esse grupo porque desejava
traçar um paralelo entre dilúvio e o batismo. [...] assim como a graça e a
paciência de Deus conduziram à salvação de oito pessoas [...] sua graça e amor,
manifestados na morte e ressurreição de Cristo, salvaram os cristãos, as quais
Pedro escreve, e os ressuscitaram para a viva esperança da vida eterna.
(ADEYEMO,
Tokunboh. Comentário Bíblico Africano. São
Paulo: Mundo Cristão. 2010. p. 1561)
* O
Comentário Bíblico Africano foi escrito por 70 eruditos africanos, preferimos
usar o nome do Editor Geral, Tokunboh Adeyemo.