Gilson Soares dos Santos
A
filosofia da mente está repleta de questões muito interessantes, uma delas é a
que diz respeito à identidade pessoal numérica, isto é, a identidade de uma
coisa consigo mesma nos estágios sucessivos de sua existência. Em outras
palavras, trata-se da “mesmidade” de uma pessoa no tempo. Tratemos a maneira como Cláudio Costa aborda o tema.
Identidade pessoal correlaciona-se a
critérios de identidade pessoal, sendo estes os elementos essenciais para
determinar se uma pessoa é a mesma nos estágios temporais de sua existência.
Tais critérios devem ser distinguidos como critérios primários (constitutivos)
e critérios secundários (sintomas).
Sobre os critérios de identidade
pessoal existem dois grupos de teorias, as físicas e as psicológicas. As
primeiras, conforme a própria palavra denuncia, sugerem que o critério para
admitirmos que uma pessoa é a mesma está descrita em termos físicos; as
segundas, por sua vez, propõem que os critérios para reconhecermos que uma
pessoa é ela mesma devem ser descritos em termos mentais.
Pensemos que os critérios para
reconhecermos uma pessoa nos diversos estágios de sua existência sejam por meio
de sua aparência física. O que dizer sobre alguém que morreu? Dizemos que ele
foi, nunca que ele é. Isso apenas prova que a aparência física torna provável a
identidade pessoal, porém não a garante.
Seguindo ainda a teoria da aparência
física, diríamos que o cérebro de uma pessoa é critério para identidade
pessoal. Porém se fosse possível transportar o cérebro de um personagem A para
a calota craniana vazia de um personagem B, qual seria a conclusão? A conclusão
é que a permanência do cérebro é um sintoma que, embora tenha prioridade sobre
o resto do corpo, não garante a identidade pessoal. Isso fica comprovado se
colocarmos um cérebro humano de uma pessoa C preservado em formol, jamais
diríamos do cérebro que é a pessoa C.
O comportamento externo não pode ser
garantia de identidade pessoal, pois se fosse possível teletransportarmos
alguém para um outro planeta, a continuidade física não garantiria a identidade
pessoal verdadeira. Alguém dirá que para uma pessoa ser teletransportada (se isso
fosse possível) é preciso deixar de existir, sendo sua nova materialização em
ouro planeta considerada uma nova existência. Havendo então uma falha nos diferentes
estágios temporais de uma pessoa o critério físico de identidade pessoal não se
sustentaria.
Tratemos agora dos critérios
psicológicos de identidade pessoal, que são os critérios mentais. O mais famoso
é o da memória pessoal, atribuída a John Locke, que afirma o seguinte: a
identidade de uma pessoa vai até à extensão de sua consciência, percorrendo a
sequencia de suas memórias de experiências passadas. Isto quer dizer que sei
que sou a mesma pessoa de foi a um circo aos quatro anos de idade, porque
consigo lembra-me disso. Mas a permanência da memória não pode ser condição
necessária para a identidade pessoal, pois uma pessoa que sofra um acidente e
tenha perda de memória não deixará de ser ela mesma, embora não tenha uma
sequencia de memórias de experiências passadas. Assim como uma falsa lembrança
ou a recordação de eventos que nunca presenciamos não nos torna a pessoa da
recordação.
Se a memória pessoa fosse perdida,
mas outros traços psicológicos fossem mantidos, certamente a identidade pessoal
seria preservada. Mas podemos afirmar que a memória pessoal também é
indispensável, pois em alguns momentos precisaremos recorrer à ela.
É preciso admitir, então, que
critérios psicológicos, por si só, não são capazes de identificação pessoal, da
mesma forma que os critérios físicos sozinhos não são suficientes para
determinar a identidade pessoal. É sugerido um critério misto de identidade
pessoal, que usaria tanto as teorias físicas quanto as mentais. Os critérios
físicos envolveriam continuidade substantiva e conexão física causal; os
critérios mentais compreenderiam a persistência da personalidade e caráter e a
persistência da memória proposicional e de habilidades. Se pelo menos um
elemento de cada grupo (físico ou mental) estiver sendo suficientemente
satisfeito teríamos a regra criterial para identificação pessoal.
Consideramos
então que uma pessoa é a mesma quando são satisfeitos critérios de identidade
pessoal, entendendo que a presença isolada de um único critério será sempre
insuficiente.
BIBLIOGRAFIA
COSTA. Cláudio, Filosofia
da Mente. Pag. 38-50. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2005.