MONERGISMO VERSUS SINERGISMO:
UMA ACALORADA DISPUTA TEOLÓGICA
Rev.
Gilson Soares dos Santos
Sempre foi difícil para o ser humano
conseguir conciliar a liberdade humana com a onipotência de Deus. Uma das mais
acaloradas disputas teológicas sobre onipotência de Deus e liberdade humana,
envolvendo as correntes calvinistas e arminianas, é a que trata do sinergismo e
do monergismo. Embora nem todo sinergista seja arminiano, todo arminiano é sinergista.
São inúmeros os argumentos usados por ambos os lados. Também é grande o número
de objeções de uma corrente para com a outra. A seguir, uma compilação sobre
este tema.
1 – Sinergismo
e Monergismo: uma primeira definição
“Sinergismo está
relacionado com a doutrina da regeneração ou novo nascimento como descrita em João capítulo 3. Um
monergista é alguém que crê que Deus o Espírito Santo sozinho opera a obra da
regeneração que abre os olhos cegos, abre os ouvidos surdos e torna o coração
de pedra num coração de carne. O sinergista, por outro lado, crê que a fé é
produzida pela nossa natureza humana NÃO-REGENERADA... que um homem natural
pode exercer fé aparte da regeneração do Espírito Santo”.[1]
2 –
Sinergismo no século XVI
Para entendermos melhor o sinergismo,
voltaremos, pelo menos, até ao século XVI, onde ocorreu fortemente a
controvérsia sinergista.
“A assim chamada controvérsia sinergista das
décadas de 1550 e 1560 encontra sua origem em afirmações de alguns ‘filipistas’
que diziam poder cooperar a vontade até certo ponto na experiência da
conversão. Os principais adversários foram Flácio e Strigel, que fizeram
análise profunda da questão no Debate de Weimar em 1560. De acordo com Strigel,
a vontade, na conversão continua a funcionar de seu modo natural. É
simplesmente transformada de má vontade em vontade boa. Mas Flácio asseverava que a vontade natural é inteiramente
incapaz de auxiliar na conversão. Não permanece simplesmente passiva; resiste
ativamente à graça. Em vista disso, uma vontade completamente nova, um ‘novo
homem’, deve ser criado, enquanto que o velho é reprimido e abafado pela graça
de Deus.”[2]
3 – O
ensino do sinergismo
Vejamos como os sinergistas apresentam seus
ensinos:
“De acordo com os arminianos, a regeneração
não é exclusivamente obra do homem. É fruto da escolha do homem, pela qual ele
se decide a cooperar com as influências divinas externas por meio da verdade.
Estritamente falando, a obra do homem é anterior à de Deus. Os arminianos não
admitem que haja uma prévia de Deus pela qual a vontade é inclinada para o bem.
Naturalmente, eles acreditam também que se pode perder a graça da regeneração.
Os arminianos wesleyanos alteram este conceito no sentido de que salientam o
fato de que a regeneração é obra do Espírito Santo, ainda que em cooperação com
a vontade humana. Eles admitem uma operação prévia do Espírito Santo para iluminar,
despertar e atrair o homem. Contudo, eles também acreditam que o homem pode
resistir a esta obra do Espírito Santo, e que, enquanto resistir, permanecerá
em sua condição não regenerada”.[3]
Um dos sinergistas mais atuantes na
atualidade é Norman Geisler. Vejamos como ele defende o sinergismo:
“A Bíblia não apóia a visão de que a graça
irresistível seja exercida contrariamente à vontade das pessoas; ela afirma que
todos podem, e alguns resistem à graça de Deus. Jesus lamentou: ‘Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas
e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus
filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo de suas asas e tu não quiseste!’ (Mt 23.37; cf. II
Pe 3.9)”.[4]
Geisler continua, em defesa do sinergismo:
“Estêvão se referiu ao orgulho do povo de
Deus nas seguintes palavras: ‘Vós sempre resistis ao Espírito Santo’ (At
7.51). Ainda nos dias de Noé: ‘Então,
disse o SENHOR: Não contenderá o meu
Espírito para sempre com o homem’ (Gn 6.3). Na verdade, apesar de ser
tarefa do Espírito Santo ‘convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo’
(cf. Jo 16.8), nem todas as pessoas responderão de maneira positiva à sua ação.
Durante o seu ministério terreno, apesar das suas obras sobrenaturais, Jesus
não convenceu a todos acerca da necessidade da salvação. Ele, na verdade,
chegou a dizer que algumas pessoas rejeitaram de tal forma a obra do Espírito
Santo que haviam ‘blasfemado contra Ele’ e, portanto, jamais receberiam o
perdão e, por isso, entrariam em ‘condenação eterna’. (cf. Mc 8.28,29)”.[5]
Geisler ainda defende que:
“Somos salvos por meio da fé (Ef 2.8,9);
somos justificados pela fé (Rm 5.1); e precisamos crer em Cristo para nos
salvarmos (At 16.32). Em cada um destes casos, a fé vem, logicamente, antes da
salvação. Nós não nos salvamos, para depois passar a crer; mas sim, cremos para
que possamos nos salvar”.[6]
4 – O
ensino do monergismo
Vejamos o ensino dos monergistas:
"A palavra “monergismo” consiste de duas
partes principais. O prefixo grego “mono” significa “um”, “único”, ou
“sozinho”, enquanto o sufixo “ergon” significa “trabalhar”. Tomando juntos
significa “o trabalho de um [indivíduo]”.
"Então, para simplificar, monergismo é a
doutrina de que o nosso novo nascimento (ou “despertamento”) é obra de Deus, o
Espírito Santo somente, com nenhuma contribuição do homem, visto que o homem
natural, de si mesmo, não tem nenhum desejo por Deus e não pode entender as
coisas espirituais (1 Coríntios 2:14, Romanos 3:11,12; Romanos 8:7; João 3:19,
20). O homem permanece resistente a todos os chamados externos do evangelho até
que o Espírito venha para nos desarmar, nos chamar internamente e implantar em
nós novas e santas afeições por Deus. Nossa fé vem somente como o resultado
imediato do Espírito operando em nós ao ouvir a proclamação da palavra. Mas
assim como Deus não nos força a ver contra a nossa vontade quando Ele nós dá
olhos físicos, assim também Deus não nos força a crer contra a nossa vontade
quando nos dá olhos espirituais. Deus nos dá o dom da visão e nós desejosamente
o exercitamos".[7]
Wayne Grudem mostra-nos que em alguns
componentes da redenção o homem desempenha uma parte ativa, mas na regeneração
não há nenhuma participação ativa do homem. Ele diz:
“é uma obra exclusivamente de Deus. Vemos
isso, por exemplo, quando João fala a respeito daqueles a quem Cristo deu poder
de se tornarem filhos de Deus – eles ‘não nasceram do sangue, nem da vontade da
carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1.13). Aqui João especifica
que os filhos de Deus são os que ‘nasceram [...] de Deus’ e que nossa vontade
humana (‘a vontade do homem’) não realiza esse tipo de nascimento.”[8]
É de Grudem ainda a seguinte defesa do
monergismo:
“O fato de que somos passivos na regeneração
fica evidente quando as Escrituras referem-se a ela como ‘nascer’ ou ‘nascer de
novo’ (cf. Tg 1.18; I Pe 1.3; Jo 3.3-8). Não escolhemos nos tornar fisicamente
vivos e também nas escolhemos nascer – é algo que nos aconteceu;
semelhantemente, essas analogias nas Escrituras dão a entender que somos
inteiramente passivos na regeneração.”[9]
Os Cânones
de Dort afirmam que “a regeneração, renovação, nova criação, ressurreição
dos mortos e vivificação, tão exaltada nas Escrituras, a qual Deus opera em
nós, sem qualquer contribuição de nossa parte”.
Para Franklin Ferreira e Alan Myatt “A
regeneração é uma operação divina num coração morto”. “Sendo uma operação de
Deus, a regeneração não é o resultado do desempenho da vontade humana (cf. Jo
1.13)”, argumenta Franklin Ferreira.
Louis Berkhof é bem enfático quanto à defesa
do monergismo:
“O único conceito adequado é
o da igreja de todos os séculos, de que o Espírito Santo é a causa eficiente da
regeneração. Significa que o Espírito Santo age diretamente no coração do homem
e muda sua condição espiritual. Não há nenhuma cooperação do pecador nesta
obra. É obra do Espírito Santo, direta e exclusivamente, Ez 11.19; Jo 1.13; At
16.14; Rm 9.16; Fp 2.13. Então, a regeneração deve ser concebida monergisticamente. Só Deus age, e o
pecador não participa em nada desta ação. Isto, naturalmente, não significa que
o homem não coopera com o Espírito de Deus nos estágios posteriores da obra de
redenção. É mais que evidente na Escritura que o faz.”[10] (grifo
nosso).
O debate é bem amplo entre a
ideia de graça operativa e graça cooperativa, e ainda continua, pois é próprio
do homem querer dar uma ajudazinha a Deus, é comum no homem querer ser
participante de sua regeneração, embora saibamos que, logicamente, nenhum de
nós, antes de nascer biologicamente, deu qualquer ajudazinha aos pais, quando
trata-se do novo nascimento, o homem quer ter contribuído, e isso, logicamente,
é impossível, visto que estávamos mortos em nossos delitos e pecados.
[2]
HÄGGLUND,
Bengt, História da Teologia. 4 Ed.Porto Alegre: Concórdia LTDA.
1989. p. 234.
[3]
BERKHOF. Louis,
Teologia Sistemática. 6 Ed. São
Paulo: Editora Cultura Cristã. 2001. p. 440.
[4]
GEISLER. Norman, Teologia Sistemática. Rio de Janeiro:
CPAD. 2010. p. 167.
[8]
GRUDEM. Wayne, Teologia Sistemática – Atual e Exaustiva. São
Paulo: Vida Nova. 2006. p. 584.
[10] BERKHOF. Louis, Teologia Sistemática. 6 Ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã.
2001. p. 436.