J. I. Packer
"Não se turbe o vosso
coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas
moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar.
E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo,
para que, onde eu estou, estejais vós também." (Jo 14.1-3).
Céu, que tanto no hebraico como
no grego é uma palavra que significa "firmamento", é o termo bíblico
para casa ou morada de Deus (Sl. 33.13,14; Mt. 6.9), onde está seu trono (Sl.
2.4); o lugar de sua presença, ao qual o Cristo glorificado retornou (At.
1.11); onde a igreja militante e triunfante agora se unem para a adoração (Hb.
12.22-25); e onde um dia o povo de Cristo estará com seu Salvador para sempre
(Jo. 17.5, 24; I Ts. 4. 16,17). Ele é retratado como um lugar de descanso (Jo.
14.2), uma cidade (Hb. 11.10), e um país (Hb.11.16). Em algum ponto do futuro,
ao tempo da volta de Cristo para o juízo, ele tomará a forma de um cosmos
reconstruído (II Pe. 3.13; Ap. 21.1).
Pensar no céu como um lugar é
mais correto do que errado, embora a palavra possa iludir. O céu aparece na Escritura
como uma realidade espacial que toca e interpenetra todo o espaço criado. Em
Efésios, Paulo localiza no céu tanto o trono de Cristo à mão direita do Pai
(Ef. 1.20) como as bênçãos espirituais e a vida ressurreta dos cristãos em
Cristo (Ef. 1.3; 2.6). Os "lugares ou regiões celestiais" em Efésios
1. 3,20; 2.6; 3.10; e 6.12 é uma variante literária de "céu". Paulo
alude a uma experiência no "terceiro céu" ou "paraíso"(II
Co. 12. 2,4). Não há dúvida de que o céu do trono de Deus deve ser distinguido
das regiões celestes ocupadas pelos poderes espirituais hostis (Ef. 6.12). Um
corpo de ressurreição adaptado à vida no céu espera por nós (II Co. 5.1-8), e
naquele corpo veremos o Pai e o Filho (Mt. 5.8; I Jo. 3.2). Mas, enquanto
estamos em nossos corpos atuais, as realidades do céu são invisíveis e
normalmente imperceptíveis a nós, e as conhecemos somente pela fé (II Co. 4.18;
5.7). Entretanto, nossa conexão com o céu e seus habitantes, o Pai, o Filho, o
Espírito, os santos anjos, e os espíritos demoníacos nunca devem ser
esquecidos: porquanto é uma questão de sólido fato espiritual.
A Escritura ensina-nos a formar
nossa noção da vida no céu por (a) extrapolar da relação menos do que perfeita
que temos agora com Deus o Pai, o Filho e o Espírito, com outros cristãos e com
as coisas criadas para a idéia de uma perfeita relação, livre de toda
limitação, frustração e fracasso; (b) eliminar de nossa idéia de uma vida
vivida para Deus todas as formas de sofrimento, maldade, conflito e angústia,
tais como as que experimentamos aqui na terra; e (c) enriquecer nossa
imaginação com aquela felicidade futura, incluindo cada conceito de excelência
e gozo natural que conhecemos. As visões da vida celestial em Apocalipse 7.
13-17 e 21. 1-22.5 aproximam-se de todas as três formas de concebê-la.
De acordo com a Escritura, a
constante alegria da vida no céu para os remidos será originada de (a) sua
visão de Deus na face de Jesus Cristo (Ap. 22.4); (b) sua contínua experiência
do amor de Cristo, à medida que Ele lhes ministra (Ap. 7.17); (c) sua comunhão
com os amados e com todo o corpo dos remidos; (d) o contínuo crescimento,
amadurecimento, aprendizado, enriquecimento de capacidades e expansão de
poderes que Deus tem em estoque para eles. O remido deseja todas estas coisas,
e sem elas sua felicidade não pode ser completa. Mas no céu não haverá desejos
insatisfeitos.
Haverá diferentes graus de
bem-aventurança e recompensa no céu. Todos serão abençoados até o limite do que
possam receber, mas as capacidades serão variáveis de acordo com o que fazem
neste mundo. Quanto às recompensas (uma área em que a irresponsabilidde atual
pode trazer pemanente perda futura: I Co. 3. 10-15), dois pontos precisam ser
entendidos. O primeiro é que, quando Deus recompensa nossas obras, Ele está coroando
seus próprios dons, pois foi somente pela graça que aquelas obras foram
realizadas. O segundo é que a essência da recompensa em cada caso será acima do
que os cristãos mais desejam, ou seja, um aprofundamento de sua relação de amor
com o Salvador, que é a realidade para a qual aponta toda a imagética bíblica
de coroas honoríficas, roupas e festas. A recompensa é semelhante à do namoro,
com o enriquecimento da relação do mesmo amor por meio do casamento.
Assim, a vida na glória celestial
compreende ver a Deus em e por meio de Cristo e ser amado pelo Pai e pelo
Filho, descansar (Ap. 14.13) e trabalhar (7.15), louvar e adorar (7. 9,10; 19.
1-5), e comunhão com o Cordeiro e seus santos (19. 6-9).
E essa vida não cessará (Ap.
22.5). Sua eternidade é parte de sua glória; a continuidade infinita, podemos
dizer, é a glória da glória.
Os corações na terra dizem no
curso de uma jubilosa experiência: "Quero que isto nunca termine."
Mas, invariavelmente, termina. Os corações dos que estão no céu dizem:
"Quero que isto dure para sempre." E durará. Não pode haver melhor
notícia que esta.
(Teologia concisa;
síntese dos fundamentos históricos da fé cristã. São Paulo: Cultura Cristã,
1999, pp. 241-243.).