OS PURITANOS E O TRABALHO
Rev.
Gilson Soares dos Santos
Hoje
é Dia do Trabalho ou Dia do Trabalhador, 1º de Maio, e queremos homenagear a
todos os trabalhadores com uma reflexão sobre a visão puritana do trabalho.
É comum o uso da
frase “ética puritana do trabalho”. Muitos a usam para reprovar os Puritanos
quanto ao que eles pensavam sobre o trabalho, sendo usado como sinônimo de “vício
de trabalhar”, “trabalho escravizador”, “competitividade”, “materialismo”, etc.
Porém existe uma interpretação errada sobre aquilo que os puritanos realmente
pensavam e ensinavam a respeito do trabalho. Vejamos o que o puritanos
realmente pensavam e defendiam sobre o trabalho.
1 –
Divisão Entre Sagrado e Secular
Durante
séculos, e ainda hoje, as pessoas costumam dividir o trabalho em duas
categorias: Sagrado e Secular. O trabalho sagrada é aquele exercido por membros
de uma profissão religiosa. Todos os demais tipos de trabalho são considerados
secular.
Observe
a seguinte oração de um escriba, judeu, fazendo essa diferença entre trabalho
sagrado e secular.
“Eu te agradeço, ó Senhor, meu Deus, por me haveres dado
minha porção com aqueles que se assentam à casa do saber, e não com aqueles que
se assentam pelas esquinas das ruas; pois eu cedo trabalho e eles cedo
trabalham; eu cedo labuto nas palavras da Torah e eles cedo labutam nas coisas
sem importância. Eu me afadigo e eles se afadigam; eu me afadigo e lucro com
isso, e eles se afadigam sem benefício. Eu corro, e eles correm; eu corro em
direção à vida por vir, e eles correm em direção ao abismo da destruição”.
Notou
que o escriba julga seu trabalho sagrado? Para ele, o trabalho dos outros é
secular. Ele julga que seu trabalho é superior ao dos outros, pois se
ocupava das Escrituras. Isso é algo que muita gente hoje ainda pensa. Esse
mesmo pensamento predominou no período medieval. Veja como Eusébio, no quarto
século, já fazia essa diferença:
“Dois modos de vida foram dados pela lei de Cristo à sua
igreja. Um está acima da natureza e além do viver humano comum... Inteira e
permanentemente separado da vida habitual comum da humanidade, dedica-se
somente ao serviço de Deus... Tal é então a forma perfeita da vida cristã. E o
outro, mais humilde, mais humano, permite aos homens... ter mentalidade para a
lavoura, para o comércio e os outros interesses mais seculares do que a religião...
E um tipo de grau secundário de piedade é atribuído a eles”.
Veja
que no pensamento de Eusébio a diferença também era pregada, onde o trabalho secular
era considerado um grau secundário de piedade. Os puritanos rejeitaram essa
dicotomia “sagrado-secular”.
2 –
Todos os Tipos de Trabalho Legítimos são Santos
Lutero
foi o primeiro a combater a tese de que o trabalho dos sacerdotes é mais santo
do que o da dona de casa e do que o do comerciante. Calvino também rejeitou a
santidade do trabalho do clérigo religioso em detrimento do trabalho do
comerciante ou da dona de casa. Os puritanos seguiram a linha de Lutero e
Calvino. Eles rejeitam a dicotomia “sagrado-secular”. Qual a diferença entre
lavar louças e pregar a Palavra? Para William Tyndale ambas agradam a Deus.
Quem comunga do mesmo pensamento é William Perkins o qual afirma que “A ação de
um pastor em guardar ovelhas é um trabalho tão bom diante de Deus como a ação
de um juiz ao sentenciar ou de um ministro ao pregar”.
Para
os puritanos, todo trabalho está na arena da glorificação e obediência a Deus.
John Dod e Robert Cleaver dirão que “o grande Deus nunca despreza um ofício
honesto... mesmo sendo bem humilde, mas o coroa com sua bênção”. Para os
puritanos até varrendo a casa uma pessoa glorifica a Deus. A presença e a
bênção de Deus eram sentidas na igreja, mas também na oficina. Os puritanos revolucionaram
as atitudes em relação ao trabalho diário porque criam que “cada passo e
aspecto do seu ofício é santificado”.
Portanto,
os puritanos declaravam a santidade de todos os tipos de trabalho legítimos.
3 – O Conceito
Puritano de Chamado
Para
os puritanos, todo cristão tem um chamado. Esse pensamento torna o trabalho uma
forma de corresponder a Deus. Richard Steele, teólogo puritano, escreveu:
“Deus chama todo home e mulher... para servi-Lo em algum
emprego peculiar neste mundo, tanto para o seu próprio bem e o bem comum. O
Grande Governador do mundo determinou para todo homem seu próprio posto e
província”.
O
pensamento puritano é compartilhado hoje da seguinte maneira: Se você é
professor universitário, você foi chamado para servir a Deus por meio desse
trabalho santo que o Senhor lhe deu. Se você é pedreiro, Deus o chamou para servi-lo
com sua profissão, isto é, seu local de trabalho é lugar de honrar e adorar ao
Senhor, mas também é seu campo missionário. Se você é taxista, se campo
missionário é seu táxi, seu templo de adoração também. A dona de casa que realiza
serviços domésticos glorifica a Deus no seu lar, ali é seu chamado, ali é seu
campo missionário. A interpretação é a seguinte: “Tudo que importa é que tenha
a graça de usar meu tempo como se estivesse vivendo na presença do meu grande
Superintendente”. A expressão “Grande Superintendente” implica na consciência
puritana de Deus como aquele que chama pessoas a realizar tarefas.
4 – A Motivação
e as Recompensas do Trabalho
As
recompensas do trabalho, segundo o puritanismo, eram morais e espirituais. Para
eles, o trabalho glorifica a Deus e beneficia a sociedade. Se o trabalho for
visto como uma mordomia para Deus então é possível ter uma nova concepção das
recompensas do trabalho. O teólogo e pastor puritano Richard Baxter também
tinha a visão dos fins morais e espirituais do trabalho.
5 – O Sucesso
não provém da Autoconfiança mas da Bênção de Deus
O
calvinismo e o puritanismo ensinaram a ética da graça, ou seja, quaisquer
recompensas tangíveis advindas do trabalho são o dom da graça de Deus. Na visão
calvinista e puritana apenas trabalho não garante sucesso. A frase “cedo dormir
e cedo levantar tornam um homem saudável, abastado e sábio” não é dos
puritanos, essa frase é de Banjamin Franklin. O entendimento puritano era que “Em
nossas ocupações estendemos nossas redes; mas é Deus quem Poe nas nossas redes
tudo que vem nelas”.
6 –
Moderação no Trabalho
Para
os puritanos, em sua visão de trabalho, é preciso ter senso de moderação. É bem
verdade que “os puritanos escarneciam do ócio e louvavam a diligência”, mas é
preciso aprender que eles pregavam a moderação. O movimento puritano sempre viu
o ócio, a preguiça como uma agressão aos mandamentos bíblicos, Baxter chegou a
dizer que “é suíno e pecaminoso não trabalhar”. Os puritanos condenavam tanto o
ócio quanto o vício do trabalho. John Cotton insistia que era preciso estar no
meio termo entre o preguiçoso e o viciado no trabalho. O objetivo dos puritanos
era a moderação. Enfim “Trabalhar com zelo e ainda não dar sua própria alma
pelo trabalho” era o lema puritano que pregava a moderação no trabalho.
Ao
contrário do que muitos pensam, os puritanos não capitalistas selvagens, não
eram viciados em trabalho, não eram materialistas. Muitos eram ricos, pois
trabalhavam moderadamente, viam o trabalho como uma vocação de Deus para servi-lo
e criam na bênção do Senhor sobre o trabalho legítimo.
(Recomendo a Leitura de: “Santos no Mundo: os
Puritanos como Realmente Eram” de Leland Ryken. Editora Fiel).