Santo Agostinho (354-430), bispo de
Hipona, ocupou-se intensamente com aquilo que costumamos chamar de “o problema
do mal”, ou seja, saber a origem do mal. Porém, sua trajetória de busca e
ansiedade tem início desde cedo, sendo influenciado, em sua vida, por muitas
correntes doutrinárias e filosóficas. Recebeu sua primeira influência de sua
mãe, Mônica. Cícero foi seu segundo modelo. Agostinho, em seguida, passa a ser
seguidor dos maniqueus, vindo depois a admirar os céticos. Com a leitura dos
livros neoplatônicos entende a realidade do material e a não-realidade do mal.
Por fim, lendo São Paulo, apreende o sentido da fé, chegando a adotar uma posição radical sobre a predestinação. Mas trataremos aqui sobre sua obra “O Livre
Arbítrio”, na qual ele responde muitas de suas próprias interrogações sobre a
origem do mal, sobre a relação do mal com o livre arbítrio, num diálogo com
Evódio, seu amigo e conterrâneo. É sobre a relação entre o mal e o livre
arbítrio, em Santo Agostinho, que trataremos, ainda que de maneira sintética,
neste trabalho.
Agostinho confrontou o dualismo da
religião maniqueísta que ensinava o mal como uma realidade igualmente eterna,
mas oposta ao bem. O mal em Agostinho deve ser visto, num primeiro momento,
como algo que não existe no cosmos, para ele, o mal não existe como uma
entidade. Aquilo que chamamos de mal é simplesmente a ausência do bem. O mal é,
fundamentalmente, a falta ou privação do bem. Porém, Agostinho vai falar do mal
moral, que é o pecado, que não teria causa eficiente, mas causa deficiente. Com
isso, Agostinho não está admitindo que o mal como uma substância, pois o mal
continua não existindo como uma entidade ou substância. Corrompe coisas boas
sem ter natureza própria. Porém o pecado é o distanciamento do bem.
Santo Agostinho deixa clara a
sentença: “Deus não pode praticar o mal”. O
mal também não pode ser atribuído a Deus, nem ficar fora da ordem providencial.
Deus, o Criador, o Bem Supremo, criou todas as coisas por meio de seu Verbo. Todas
as obras de Deus são boas. De sua natureza boa só pode vir o bem. Mas Santo
Agostinho também sentencia que “o mal não poderia ser cometido sem ter algum
autor”. Para
ele, cada pessoa é autora de sua má ação, e toda ação é praticada de modo
voluntário, do contrário, segundo Agostinho, Deus não puniria com justiça as
más ações praticadas.
Diante da interrogação de Evódio
sobre “de quem aprendemos pecar”, Agostinho responde que o que aprendemos é a
instrução para o bem, não as coisas más. As más ações consistem exatamente na
desobediência às instruções. Se a instrução é sempre um bem, desobedecê-la,
inevitavelmente, será sempre um mal. Consequentemente o mal não se aprende,
pois é impossível que este seja objeto de instrução. Para Agostinho é inútil
procurar quem nos teria ensinado a praticar o mal. Pois o que sabemos é que
recebemos instrução, e não há instrução para o mal.
É preciso entender, porém, o porquê
de agirmos mal, se temos recebido instrução sobre e para o bem. Seria por causa
do livre arbítrio? Se o é, então o livre arbítrio seria o mal em potência. Se
Deus deu ao homem o livre arbítrio, e por meio dele o homem comete más ações, é
de ficar subentendido que o livre arbítrio é, indiretamente, um mal e Deus
seria culpado por ter dado ao homem a capacidade de escolher entre o bem e o
mal com o seu livre-arbítrio. Porém Agostinho insiste na bondade de Deus e
mostra que o livre arbítrio é um bem, é um dom de Deus. O homem é livre para
fazer o bem. O poder de usar bem o livre arbítrio é a liberdade. Porém o homem pode querer o mal e usa o livre
arbítrio para fazer o mal, pois o bem já lhe é algo concedido por Deus. O livre
arbítrio, portanto, não é um mal em si, visto que é um dom de Deus, embora o
homem o use para pecar. Deus não é o autor do pecado. Se o homem peca, a culpa
é sua, a responsabilidade exclusiva pela prática do mal moral, isto é, do
pecado, é exclusiva do homem. E quando age desordenadamente contra a vontade de
Deus recebe punição. Por isso Deus age com justiça quando pune as más ações do
homem.
Entre Agostinho e Evódio há um
diálogo sobre a questão “a lei proíbe algo porque é pecado ou algo é pecado
porque há uma lei que proíbe?”. Para Agostinho algo é pecado mesmo que não haja
lei para servir de parâmetro. O contrário também é verdadeiro, a lei pode
proibir algo que não é pecado (Agostinho cita os cristãos que foram condenados
por professarem sua fé). A lei, portanto, não serve para determinar o que é
mal. O mal moral (o pecado) no homem é proveniente de sua paixão interior
denominada de concupiscência. E esse mal, independente das prescrições da lei,
é pecado. Por isso, Agostinho vai relembrar o texto de Mateus Capítulo 5,
Versículo 28, sobre os pensamentos adúlteros.
A filosofia de Agostinho é,
portanto, apologética, pois busca defender Deus como o bem supremo destituído
de todo mal, que não é o autor do mal nem pode praticá-lo. O mal, como
substância não existe, sendo ausência do bem. Quando corrói as vidas, o mal age
como a ferrugem que ataca, mas não possui natureza própria. Sua filosofia vê o
homem como total responsável pelos seus atos, crendo que os homens praticam
seus pecados por meio do livre arbítrio que receberam, mas o livre arbítrio, em
si mesmo, não é um mal, porém um bem, um dom de Deus. O pecado é a subversão da
bela e boa ordem criada por Deus.
AGOSTINHO.
Santo, O Livre Arbítrio. Tradução: Nair de Assis Oliveira. 2ª Ed. São Paulo: Paulus.
1995.