A UNIVERSALIDADE DA
COMPLACÊNCIA NO BELO, EM IMMANUEL KANT
Gilson Soares dos Santos
Immanuel
Kant, buscando definir o belo, se propõe a tarefa de mediar entre a faculdade
do entendimento (juízo lógico) e a faculdade apetitiva (juízo prático). Ele
encontra na faculdade reflexiva (juízo de gosto) aquela que vai mediar entre
esse dois mundos, aproximando a razão pura da razão prática. Para ele, quando a
questão é estética, nem é juízo lógico nem juízo prático, mas sim de gosto.
Pois a representação do objeto não visa o conhecimento, mas o sentimento de
prazer ou desprazer. É por isso que ele se propõe a tarefa de definir a
complacência que determina o juízo de gosto como desinteressada. Nesse juízo de
gosto há uma particular determinação de universalidade, a universalidade da
complacência no belo. Kant busca expor o que é essa universalidade da
complacência no belo, para isso, percorre um caminho fazendo distinções entre a
complacência ligada a interesse e a complacência desinteressada.
O juízo de gosto, segundo Kant, é
aquilo que se expressa no juízo estético. O belo não é uma propriedade objetiva
das coisas, mas a propriedade que nasce da relação entre o sujeito e o objeto,
pela faculdade da imaginação, ligada ao seu sentimento de prazer ou desprazer.
A representação é referida somente ao sujeito e ao seu sentimento de vida.
Pode-se compreender, então, que não é um juízo lógico, mas estético. E esse
juízo não contribui para o conhecimento, pois não é de caráter conceitual. Por
isso, para Kant, a estética não é ciência, porque não opera por conceitos. E
ainda quando as representações dadas são racionais, mas no juízo são referidas
meramente ao sujeito, ao sentimento de prazer e desprazer, elas são sempre
estéticas.
O juízo de gosto possibilita a
complacência. Porém é preciso fazer distinção entre a complacência ligada a
interesse, que está ligada à representação da existência de um objeto e a
complacência do juízo de gosto, que é independente de todo interesse, portanto
desinteressada.
Existem
três relações das
representações ao sentimento de prazer ou desprazer, que são os três modos de
complacência: complacência no agradável, complacência no bom e complacência no
belo. Enquanto as duas primeiras estão relacionadas à faculdade da apetição
(vontade), esta última é meramente contemplativa.
Para
Kant, a complacência no
agradável está relacionada a interesse. Isso fica claro quando entendemos que o
agradável está associado a tudo aquilo com o qual nos deleitamos, ou seja,
aquilo que agrada aos sentidos. A complacência faz parte da relação que há
entre o objeto e o nosso sentimento de prazer ou desprazer diante do objeto.
Toda complacência é
sensação (de um prazer). Entretanto, é preciso entender a diferença entre
sensação do sujeito e sensação do objeto. Uma cor de um determinado objeto
pertence à sensação objetiva (qualidade física), enquanto o prazer ou desprazer
que aquela cor me proporciona pertence à sensação subjetiva.
Entendemos, então, que a
complacência no agradável é ligada a interesse porque o meu juízo sobre um
objeto, quando o declaro agradável, não expressa o simples juízo sobre ele, mas
expressa um interesse pelo mesmo, à referência da sua existência a meu estado. A
complacência no agradável é patologicamente condicionada por estímulos, é
aquilo que deleita. Por isso o agradável está associado àquilo com o qual nos
deleitamos, o agradável não somente apraz, ele deleita.
Por sua vez, a
complacência no bom também está ligada a interesse. E preciso entender que bom
é o que apraz pelo simples conceito. Existe, portanto, o bom para (aquilo que é útil), é algo que apraz tão somente como
meio, um fim externo ao sujeito; e existe o bom
em si que é a ação desinteressada, pelo próprio sujeito.
Para Kant, a complacência no bom depende da reflexão no
objeto, é o interesse mediante conceitos, distinguindo-se do agradável que está
ligado à sensação. A complacência no bom é prática, a qual é determinada pela
conexão entre o sujeito e o objeto. É aquilo que é estimado ou aprovado.
Embora, muitas vezes, o agradável pareça ser idêntico ao bom, o bom tem sua
complacência na existência do objeto.
Tanto o agradável quanto o bom, apesar da diversidade, estão
ligados com interesse ao objeto. Pois querer alguma coisa e ter complacência na
sua existência, ambos são idênticos.
A complacência no belo distingue-se da complacência no
agradável e no bom, pois apresenta-se como independente de todo interesse. Se uma
coisa é bela, não importa algo sobre a existência dessa coisa e sim como a
ajuizamos na contemplação. Sendo assim, o belo não é uma propriedade objetiva
das coisas. Por isso a complacência no belo não está ligada a qualquer
interesse, dos sentidos, de utilidade.
Para Kant, a complacência no agradável e a complacência
no bom, ambas estão ligadas ao interesse. O mesmo não se diz da complacência no
belo que é meramente aquilo que apraz, sendo uma complacência desinteressada e
livre, porque não está ligada ao objeto.
Porém, para Kant, o belo é o que é representado sem
conceitos como objeto de uma complacência universal. Como entender isto, uma
vez que só há universalidade mediante conceitos? Para ele, porém, trata-se da
possibilidade de uma universalidade subjetiva.
Para Kant, a complacência independe de todo e qualquer
interesse, logo se conclui que é válida para qualquer um, pois não se funda em
nenhuma inclinação, não há uma condição privada, significando que todos, então,
podem ter uma complacência desinteressada. Essa ausência de motivação privada
na complacência é válida para qualquer um.
Ainda mais, quando se profere juízo, profere-se como se a
beleza fosse uma finalidade do objeto (não o resultado do sentimento de prazer
no objeto – subjetivo). Essa reivindicação de validade universal acontece
recorrendo-se à voz universal. É uma universalidade subjetiva, pois no juízo de
gosto não se destina o conhecimento à comunidade lógica, mas à comunidade dos
que julgam, da voz universal. Quando se diz “a cadeira é bela” não se pretende
conceituar a cadeira, mas aplica-se um juízo de gosto que se destina ao
conhecimento geral, isto é, a esfera inteira dos que julgam.
Segundo Kant, quando objetos são julgados segundo conceitos,
perde-se toda a representação da beleza. Se, por outro lado, chamamos o objeto
de belo, cremos que vem em nosso favor uma voz universal que reivindica a
adesão de qualquer um. Pois a voz universal é somente uma idéia, não repousa em
conceitos. Por isso se pretende o assentimento de qualquer. Porém, é preciso
entender que no juízo de gosto o sujeito espera a adesão de outros, mas não
imputa esta adesão. A universalidade objetiva impõe a subjetiva, em
contrapartida, a universalidade subjetiva não deduz a objetiva.
Resolvida a questão do belo como objeto de uma
complacência universal, sem conceitos, Kant trata em seguida do fundamento do
prazer. Para ele, esse juízo de gosto, puramente subjetivo, do objeto, precede
o prazer pelo objeto, sendo o jogo livre e a harmonia entre a fantasia e o
intelecto que o objeto produz no sujeito. Para ele o “estado de um jogo livre
das faculdades de conhecimento em uma representação, pela qual um objeto é
dado, tem que comunicar-se universalmente”. O que se trata de comunicar no
juízo de gosto é o estado de ânimo do sujeito. Não há coerção das leis da
natureza. Sendo então, o juízo de gosto, privado, porém com pretensões de ser
publico, por meio da voz universal.
Até este ponto estudado, são compreensíveis, portanto, as
conclusões de Kant: O juízo estético, ou juízo de gosto, trata sobre o belo
como propriedade que nasce da relação dos objetos com o nosso sentimento de
prazer ou desprazer e que atribuímos aos próprios objetos. Nesse juízo de gosto
temos a possibilidade da complacência, que deve ser distinta em suas
representações, no agradável, no bom e no belo. Enquanto as duas primeiras
complacências ligam-se a interesses, esta última é totalmente contemplativa e
desinteressada, por isso mesmo, reivindica sua universalidade, porque vale para
todos os homens, não apelando para conceitos, não apelando para a lógica, mas
para a comunidade dos que julgam, à voz universal. A complacência no belo pode
ser entendida como universal porque está desvinculada de conceitos, de qualquer
conhecimento lógico, pois aponta para a subjetividade, sendo portanto uma
complacência universal subjetiva. Quando recorre à voz universal da esfera dos
que julgam, a complacência no belo pretende-se universal, esperando a adesão,
sem impor. É conclusivo também que tal complacência (no belo), como ocorre sem
pressupor um conceito determinado, é o estado de ânimo do sujeito no jogo livre
da faculdade da imaginação e do entendimento, buscando o assentimento
universal.
BIBLIOGRAFIA
KANT, Immanuel, Crítica
da Faculdade do Juízo. Trad. Valeno Rhoden e Antonio Marques. 2008. 2 Ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária. P. 47-63.