CRIATIVIDADE LINGUÍSTICA E RELATIVISMO
Gilson Soares dos Santos
Os filósofos, desde Humgoldt, têm se preocupado
com a criatividade linguística. A questão que tem sido levantada é: como podemos
explicar a capacidade inexaurível de produção lingüística, que falantes
competentes parecem ter?
Interpretações têm surgido no propósito de
explicar esta produção lingüística. Esta competência linguística tem sido
frequentemente descrita como a capacidade de produzir um número infinito de
frases gramaticalmente bem formadas e dotadas de sentido. Os estruturalistas e
formalistas, por sua vez, recorrem a mecanismos formais para a manipulação de
signos. Deste ponto de vista, a produção da fala consiste em processos
mecânicos de manipulação de signos, em operações sobre a forma dos signos de
acordo com regras da sintaxe. Saussure (1857-1913), concebeu a linguagem como
um sistema abstrato impessoal ou
código (la langue) do qual emergem as múltiplas variedades de
eventos de fala individuais (la parole).
Chomsky apresenta a Teoria da Gramática Gerativa.
De acordo com ele, a produção da fala envolve a aplicação de regras gerativas
de gramática, que devem estar lá desde o começo e que, portanto, não são
aprendidas.
Já Bourdieu (1991) argumenta que o mistério da
criatividade lingüística não diz respeito à infinita produtividade, mas ao
desempenho apropriado. Bourdieu afirma que a competência, que os falantes reais
realmente possuem, não é uma competência gerativa de produtividade infinita, o
que não passa de uma abstração, mas uma capacidade de produzir frases à propos.
Bourdieu apresenta a Teoria do Habitus,
De acordo com a teoria do habitus, de Bourdieu, a recepção e a
produtividade habituais de nossa competência linguística são situadas
socialmente e historicamente. Esta teoria salienta que nossas capacidades
linguísticas são altamente restringidas: nós não somos livres em nossas
produções linguísticas; estamos sujeitos a restrições linguísticas que têm uma
base política e socioeconômica. Para Bourdieu, a ideia de que temos
liberdade absoluta e autonomia no uso de nossa linguagem é uma ilusão, e não uma ilusão
inocente, pois ela tem ramificações políticas e sociais perigosas. Ao
ignorar as restrições linguísticas e sua base político-social, as abordagens
formal e abstrata da competência linguística estão sendo cúmplices das
forças sociais e políticas que domesticam o uso da linguagem, sem darem-se
conta dessas forças. De acordo com Bourdieu, a constituição de uma língua é um
processo histórico, no qual forças sociopolíticas e econômicas competem para
atribuir poder a modos de expressão de certas classes ou grupos sociais e
retirar esse poder de outros.
Nietzsche, juntamente com Ricoeur, vai trabalhar
a questão das metáforas. Nietzsche
(2005), diz que a capacidade de criar metáforas (metaforicidade) é a
essência da linguagem. Do ponto de vista dele, falar é jogar com metáforas. Para ele, todas as palavras são metáforas. A razão
de não vermos metáforas em todas as palavras é porque esquecemos a origem e natureza metafórica de nossas
palavras. Esquecemos que nossas palavras são metáforas
porque as tratamos como se fossem verdades objetivas, como se fossem retratos
precisos do mundo. Nietzsche vai perguntar se a língua é a expressão adequada de todas as
realidades. Para ele, a fala não é uma questão de reprodução fiel, a linguagem envolve Projeção Subjetiva. Como, por exemplo, quando classificamos os gêneros masculino e
feminino para os objetos – A cadeira, O vento, A mesa, As pedras, etc. Categorizar em masculino e feminino as coisas é
uma atribuição arbitrária. A palavra, para Nietzsche, é uma cópia sonora de um estímulo nervoso. Muitos dos termos básicos de uma língua estão
ligados à estímulos subjetivos. A criação de palavras é, então,
um processo de metaforização em dois estágios: No primeiro, uma experiência faz surgir uma imagem: Primeira Metáfora. No segundo, a imagem, por sua vez, faz surgir um
som: Segunda Metáfora. Nietzsche conclui, todos os significados são metafóricos; todos os
domínios semânticos da linguagem são povoados por entidades metafóricas, que
são formados por nossas projeções subjetivas.
Para Nietzsche, os conceitos são sempre metafóricos, porque envolvem "a equação de coisas
desiguais", todos
os termos são conceituais e, portanto, metafóricos, porque eles se aplicam a
muitas coisas diferentes ou a muitas apresentações diferentes de alguma coisa,
tratando-as como se fossem a mesma. Por exemplo, uma folha nunca é completamente idêntica à outra, mas nós formamos o
conceito de uma folha descartando diferenças individuais, "esquecendo os
aspectos diferenciadores". Ele vai apresentar dois tipos de metáforas:
Metáforas Mortas, que são as verdades. Para Nietzsche, as verdades são metáforas mortas: metáforas que
esquecemos que são metáforas, metáforas que se tornaram convenções padrão,
aceitas por todos (ou pela maioria). Por outro lado, existem as Metáforas Vivas, as
mentiras. As mentiras são metáforas que a sociedade considera inaceitáveis. Portanto são metáforas vivas, pois provocam a reação da
sociedade, não sendo convenção padrão. Assim, Nietzsche descreve a obrigação social de dizer a verdade como
"a obrigação de mentir de acordo com a convenção fixa, mentir com o
rebanho, de um modo com o qual todos estejam de acordo". Para ele: “Então o que é uma verdade? Um conjunto móvel de metáforas,
metonímias, e antropomorfismos: resumidamente, uma soma de relações humanas que
foram intensificadas poética e retoricamente, transferidas e embelezadas, e
que, após um longo uso, parecem a um povo serem fixas, canônicas, e
compulsórias.”. “As verdades são
ilusões que nós esquecemos que são ilusões; elas são metáforas que
se tornaram gastas e tiveram drenadas suas forças sensoriais, moedas que
perderam sua estampagem e são agora consideradas como metal e não mais como
moedas”.
Ricoeur
também trabalha o conceito de metáfora, para ele, metáfora não
é uma mera alegoria ou recurso teórico; é mais do que um ornamento decorativo. É
processo geral pelo qual apreendemos afinidades. É um processo discursivo que
está na fonte de toda a inovação semântica. Elas têm o poder de criar
transformações semânticas e reconfigurar a linguagem. Possuem uma dimensão
temporal essencial, isto é, elas têm vida. As metáforas: NASCEM, AMADURECEM e
eventualmente MORREM. Para Ricoeur, uma metáfora é um fenômeno diacrônico. Ele
divide as metáforas em Metáforas Mortas e Metáforas Vivas. As primeiras não são
mortas porque caíram em desuso. Continuam sendo usadas, mas quando a usamos,
não percebemos mais o seu caráter metafórico. Por exemplo, o pescoço da
garrafa, a perna da cadeira. Elas tornam-se gastas e perdem o seu caráter
dinâmico: Tornam ossificadas. Metáforas mortas são aquelas que se tornaram
triviais. As segundas, são aquelas que ainda são chocantes, ou ao menos,
inovadoras, que abrem nossos olhos para coisas novas, para novas similaridades
que nós não havíamos reconhecido antes. Metáforas vivas são originais. O
processo diacrônico, do qual consiste a vida de uma metáfora, é um movimento
que parte de uma metáfora original para uma trivial.
Ricoeur mostra a
importância das metáforas para a polissemia.
Todas as palavras são intrinsecamente polissêmicas, isto é, têm mais de um
significado. A metáfora é um mecanismo central para criação e expansão da
polissemia. Por meio da metáfora expandimos a polissemia. Na metáfora, a
polissemia é preservada, em vez de ser escondida. Quanto à função das
metáforas, possuem: Função Epistêmica: Reorganizar a linguagem, reorganizando
nossos conceitos. Função Ontológica: Redescrição da realidade. Têm o poder de
redescrever a realidade. Ricoeur conclui que a metáfora é “uma ficção
heurística para o propósito de redescrever a realidade”.
Davidson, por sua vez, argumenta que não podemos
fazer sentido da ideia de que haja diferenças
conceituais radicais entre línguas diferentes. Seu alvo é o relativismo lingüístico, ou seja, o
ponto de vista de que diferentes línguas contêm esquemas conceituais
incomensuráveis. Ele argumenta a tese da relatividade lingüística, essa tese se
encontra em frontal oposição às nossas práticas reais da comunicação
intercultural, que não oferecem evidência alguma de que diferenças conceituais,
entre falantes de línguas diferentes, são em princípio insuperáveis
e incomensuráveis. Ele é, no entnanto, cético a respeito da própria ideia que
dá origem ao relativismo linguístico: isto é, a ideia de que há um esquema
conceitual inserido em cada língua. O argumento de Davidson contra a
possibilidade de diferenças conceituais radicais baseia-se na prática da
tradução e se desenvolve em dois estágios. O primeiro estágio diz respeito à
possibilidade de uma falha completa na tradução; o segundo estágio, à
possibilidade de uma falha parcial.
Outro traço crucial da abordagem de Davidson,
que é responsável pela invisibilidade de conceitos estranhos, é o privilégio da
postura do observador -que ele herdou de Quine (ver 3.2). De
acordo com Davidson, a perspectiva do tradutor ou do interprete é uma
perspectiva de terceira pessoa, de um observador descolado, engajado na
construção de teorias. Deste ponto de vista, a atitude do intérprete é a
atitude de um sujeito que faz teoria sobre seu objeto de investigação.
BIBLIOGRAFIA
MEDINA. José, Linguagem: Conceitos-Chave em Filosofia.
Pag. 121-148. São Paulo: Artmed Editora. 2005.