A REFORMA DA FILOSOFIA EM LUDWIG FEUERBACH
Gilson Soares dos Santos
Ludwig Feuerbach (1804-1872), partindo do
pressuposto de que se vive uma época nova da humanidade, apresenta a
necessidade de uma reforma da filosofia, não sendo esta uma resposta à filosofia
anterior, visto que, à semelhança da reforma luterana, é necessária para a sua
época. Para que essa reforma aconteça é necessário o fim do cristianismo, o fim
da religião. Propondo uma redução da teologia e da religião à antropologia
Para
Feuerbach há inteira diferença entre uma filosofia que se situa numa época que
é um estágio sucessivo da época anterior e uma filosofia que incide num período
totalmente novo da humanidade. Uma filosofia que se incide numa nova era da
humanidade não pode ser uma resposta às filosofias anteriores, deve ser
essencialmente diversa. Para ele, a reforma da filosofia é necessária e deve
corresponder à necessidade da época, da humanidade. Pois a verdadeira
necessidade está na exigência do futuro, no futuro antecipado, no movimento para
frente. É preciso ser absolutamente negativo para criar a novidade. Essa
reforma, para Feuerbach, pressupõe o fim do cristianismo, o fim da religião,
que é um fato totalmente humano. É a negação do cristianismo que põe a
necessidade da reforma da filosofia. Não uma negação qualquer, mas uma negação
consciente, e é essa negação que funda uma filosofia nova, “resolutamente
acristã”.
Segundo
Feuerbach o cristianismo é negado mesmo por aqueles que tentam sustentá-lo. O
cristianismo é um simples nome e já não corresponde nem ao homem teórico, nem
ao homem prático; não satisfaz ao espírito nem ao coração. Para ele, a
filosofia prevalente está atrelada à decadência do cristianismo, embora
pretendesse ser a sua negação. Logo, uma filosofia que, de fato, ponha fim ao
cristianismo, que exclua Deus das questões filosóficas e atente para o homem e
as questões sociais é a filosofia necessária da nova era da humanidade.
A
filosofia necessária, segundo Feuerbach, é uma filosofia que tome o lugar da
religião, pois para substituir a religião, a filosofia deve tornar-se religião
enquanto filosofia, introduzindo em si mesma aquilo que constitui a essência da
religião. É claro, de um modo a ela conforme. Por isso, uma filosofia
totalmente diversa deve entrar no lugar da filosofia antiga.
A
religião, na concepção de Feuerbach, é um fato totalmente humano. Sempre
desempenhou um papel fundamental na história do homem concreto. Segundo ele, a
religião é, na verdade, a projeção da essência do próprio homem. A religião não
passa das relações do homem consigo mesmo. Em outras palavras, não é Deus que
cria o homem, mas o homem que cria Deus. Conhecemos o homem pelo seu Deus. O
homem constrói a divindade sem nela se reconhecer. É hora desse mesmo homem
substituir o divino. O espírito dessa era é o do realismo. Nesse entendimento,
é hora também de tornarmo-nos novamente religiosos, não com a religião que cria
um Deus, mas com a política transformada em religião, abandonando um Deus
distinto do homem. Essa desconfiança em Deus funda o Estado.
O Estado é a realidade e a refutação prática
da fé religiosa. O Estado torna-se o deus dos homens, uma vez que estes estão
sem deus no Estado. Acontece aqui, ao mesmo tempo, uma refutação e uma
realização da fé religiosa. Há uma refutação em relação a Deus, mas a crença
passa a ser agora no Estado. O Deus do céu é substituído por outra divindade, o
homem. “O Estado (verdadeiro) é o homem ilimitado, infinito, verdadeiro,
completo, divino.”. O Estado é o homem absoluto. O ateísmo prático é o vínculo
dos Estados.
Feuerbach não vai negar a unidade entre
finito e infinito. O espírito absoluto é o espírito finito. Na religião o
infinito está fora do homem, no Estado o infinito está no homem. Na religião o
infinito se realiza em Deus ou na idéia absoluta, no Estado o infinito se
realiza no homem. No singular o homem é finito, na coletividade ele é infinito.
O infinito está contido no homem, embora o homem seja finito.
Assim Feuerbach apresenta teses provisórias
para a reforma da filosofia. A nova filosofia deve entender que o núcleo
secreto da teologia é a antropologia. “A consciência resoluta, tornada carne e
sangue, de que o humano é o divino e o finito é o infinito” é a fonte da nova
filosofia. Sua tarefa não é reconhecer o infinito como o finito nem transpor o
finito para o infinito, mas trazer o infinito para o finito. Pois o começo da
filosofia não é a idéia absoluta, mas o finito. Isso é um contraponto ao
caminho apresentado pela filosofia especulativa (teologia) que parte do
abstrato para o concreto, do ideal para o real. O caminho da filosofia
especulativa nunca permite chegar à realidade verdadeira.
É partindo do conhecimento dos seres e das
coisas como são que a filosofia encontra sua mais elevada tarefa. Só há
pensamento através da sensação, sensualismo. Isso opõe-se à abstração, mas
coloca a realidade humana em sua abstração. O homem não deve deslocar o ser
para fora de si antes de encontrá-lo em si. Começa pelo finito e neste encontra
o infinito. O começo da filosofia é o finito, o real, pois o infinito não pode
pensar-se sem o infinito.
A nova filosofia é caracterizada pelo
antropoteísmo, que é a religião autoconsciente, a religião que a si mesmo se
compreende. A nova filosofia deve negar a filosofia como qualidade abstrata,
particular. Nela o homem sabe que é a essência autoconsciente da natureza, a
essência dos Estados, da história e da religião. A nova filosofia apresenta-se
como filosofia positiva.
A reforma da filosofia de Ludwig Feuerbach
desvinculada de uma filosofia anterior é, portanto, uma filosofia que reflete o
humanismo. Uma reforma necessária à época, época da humanidade, envolvendo a
negação do cristianismo, de maneira consciente, e atentando para o homem e suas
questões sociais, partindo, é claro, das necessidades da humanidade. Uma
filosofia do homem, uma antropologia. Do homem que compreende a si mesmo, uma
filosofia identificada como antropoteísta, com ênfase na empiria. Pois “O homem
é a existência da liberdade, a existência da personalidade, a existência do
direito.”
FEUERBACH. Ludwig, Princípios da Filosofia do
Futuro e outros escritos. Pag. 13-35. Tradução: Artur Morão. Lisboa / Portugal:
Edições 70, LTD.