A REFORMA PROTESTANTE DO SÉCULO XVI
Pr. Gilson Soares dos Santos
No dia 31 de Outubro comemoramos o Dia da Reforma Protestante. A Reforma foi o mover de Deus para que a Palavra Verdadeira, as Sagradas Escrituras, voltasse a ser pregada. Muitos nada sabe sobre o que foi a Reforma Religiosa do Século XVI. Nesse post quero transcrever um artigo de Alderi Souza de Matos sobre este assunto.
Querido (a) leitor (a) de nosso blog, embora o artigo seja longo, leia com atenção e aprenda sobre este período tão importante na história da igreja cristã.
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A REFORMA PROTESTANTE
DO SÉCULO XVI
Alderi Souza de Matos
1. Antecedentes –
final da Idade Média
1.1 Os Estados
Nacionais
Nos séculos que antecederam a Reforma
Protestante, a Igreja não vivia em um vácuo, mas sim em um contexto político e
social mais amplo com o qual tinha múltiplas interações. No final da Idade
Média, houve o surgimento dos chamados “estados nacionais”, as modernas nações
européias, o que representou uma grande ameaça às pretensões do papado. Na
Alemanha (Sacro Império Romano), Rudolf von Hapsburg foi eleito imperador em
1273. Em 1356, um documento conhecido como Bula de Ouro determinou que cada
novo imperador seria escolhido por sete eleitores (quatro nobres e três
arcebispos). Havia descentralização política, isto é, o poder dos príncipes
limitava a autoridade do imperador, e forte tensão entre a igreja e o estado.
Na França, houve o fortalecimento da monarquia
com Filipe IV, o Belo (1285-1314). Esse rei enfrentou com êxito o poder da
Igreja e dos papas e preparou a França para tornar-se o primeiro estado
nacional moderno. Na Inglaterra, o parlamento reuniu-se pela primeira vez em
1295. Esse país teve um grande rei na pessoa de Eduardo I (†1307), que subjugou
os nobres e enfrentou com êxito o papa na questão de impostos.
1.2 O Declínio do
Papado
Este período começa com o pontificado de
BonifácioVIII (1294-1303), um papa arrogante e ambicioso que entrou em
confronto direto com o rei Filipe IV acerca de impostos e da autoridade papal.
Bonifácio publicou três famosas bulas: Clericis
Laicos, na qual reclama que os leigos sempre foram hostis ao clero;
Ausculta Fili (“Escuta,
filho”), dirigida ao rei francês,
e Unam Sanctam (1302),
denominada “o canto do cisne do papado medieval”. Irritado com as ações papais,
Filipe enviou suas tropas, o papa foi preso e faleceu um mês após ser
libertado.
Seguiu-se um período de crescente
desmoralização do papado. Clemente V (1305-1314), um papa francês, transferiu a
Cúria, ou seja, a administração da Igreja, para Avinhão, ao sul da França, no
que ficou conhecido como o “Cativeiro Babilônico da Igreja” (1309-1377). Em
toda parte, cresceram as críticas às extravagâncias e ao luxo da corte papal.
João XXII (1316-1334) mostrou-se eficiente na cobrança de taxas e dízimos para
cobrir essas despesas. Finalmente, ocorreu o chamado “Grande Cisma”, em que
houve dois e posteriormente três papas rivais em Roma, Avinhão e Pisa
(1378-1417). Diante dessa situação constrangedora, surgiu em toda a Europa um
clamor por “reformas na cabeça e nos membros”.
1.3 O Movimento
Conciliar
Durante o “Grande Cisma”, cada papa considerou-se o único legítimo e excomungou
o rival. Assim, houve a necessidade de um concílio para resolver a crise. O
Concílio de Pisa (1409) elegeu um novo papa, mas os outros dois recusaram-se a
serem depostos, resultando em três papas ao mesmo tempo. João XXIII, o segundo
papa pisano, convocou o Concílio de Constança (1414-1417), que depôs os três
papas, elegeu Martinho V como único papa, decretou a supremacia dos concílios
sobre o papa e condenou os pré-reformadores João Wycliff, João Hus e Jerônimo
de Praga. O Concílio de Basiléia (1431-1449) reafirmou a superioridade dos concílios.
Finalmente, o Concílio de Ferrara-Florença (1438-1445) tentou a união com a
Igreja Ortodoxa (frustrada pela conquista de Constantinopla pelos turcos em
1453) e reafirmou a supremacia papal. Essa tentativa fracassada de tornar a
Igreja mais democrática e governá-la através de concílios ficou conhecida como
conciliarismo.
1.4 Movimentos
dissidentes
Outro aspecto desse período de efervescência foi o surgimento de alguns
movimentos dissidentes no sul da França que despertaram forte oposição da Igreja
Católica. Um deles foi o dos cátaros (em grego = “puros”) ou albigenses (da
cidade de Albi), surgidos no século 11. Caracterizavam-se por um sincretismo
cristão, gnóstico e maniqueísta, com um dualismo radical (espiritual x
material) e extremo ascetismo. Foram condenados pelo 4° Concílio Lateranense em
1215 e mais tarde aniquilados por uma cruzada. Para combater esses e outros
hereges, a Inquisição foi oficializada em 1233.
Outro movimento foi liderado por Pedro Valdo ou Valdes († c.1205), de Lião,
cujos seguidores ficaram conhecidos como “homens pobres de Lião”. Tinham um
estilo de vida comunitário, ensinavam as Escrituras no vernáculo (enfatizando o
Sermão do Monte), incentivavam a pregação de leigos e de mulheres, negavam o
purgatório. Condenados pelo Concílio de Verona em 1184, foram muito
perseguidos, refugiando-se em vales remotos e quase inacessíveis dos alpes
italianos. Mais tarde, abraçaram a Reforma Protestante, sendo assim uma das
poucas Igrejas protestantes anteriores à Reforma do Século 16.
1.5 Primeiros Movimentos
de Reforma
Nos séculos 14 e 15, surgiram alguns movimentos esporádicos de protesto contra
certos ensinos e práticas da Igreja Medieval. Um deles foi encabeçado por João
Wycliff (1325?-1384), um sacerdote e professor da Universidade de Oxford, na
Inglaterra. Wycliff atacou as irregularidades do clero, as superstições
(relíquias, peregrinações, veneração dos santos), bem como a transubstanciação,
o purgatório, as indulgências, o celibato clerical e as pretensões papais. Seus
seguidores, conhecidos como os lolardos, tinham a Bíblia como norma de fé que
todos devem ler e interpretar.
João Hus (c.1372-1415), um sacerdote e professor da Universidade de Praga, na
Boêmia, foi influenciado pelos escritos de Wycliff. Definia a igreja por uma
vida semelhante à de Cristo, e não pelos sacramentos. Dizia que todos os
eleitos são membros da igreja e que o seu cabeça é Cristo, não o papa. Insistia
na autoridade suprema das Escrituras. Hus foi condenado à fogueira pelo
Concílio de Constança. Seus seguidores ficaram conhecidos como Irmãos Boêmios
(1457) e foram muito perseguidos. Foram os precursores dos Irmãos Morávios, que
veremos posteriormente, outro grupo protestante cujas raízes são anteriores à
Reforma do século 16. Outro indivíduo incluído entre os pré-reformadores é
Jerônimo Savonarola (1452-1498), um frade dominicano de Florença, na Itália,
que pregou contra a imoralidade na sociedade e na Igreja, inclusive no papado.
Governou a cidade por algum tempo, mas finalmente foi excomungado e enforcado
como herege.
1.6 Movimentos
Devocionais
Além dos movimentos que romperam com a Igreja, houve outros que permaneceram na
mesma por se concentrarem na vida devocional, sem críticas aos dogmas
católicos. Um deles foi o misticismo, bastante forte na Inglaterra, Holanda e
especialmente na Alemanha (Reno). Os principais místicos dessa época foram
Meister Eckhart (†1327); Tauler (†1361) e os “Amigos de Deus”, Henrique Suso
(†1366) e mais tarde o célebre teólogo e líder eclesiástico Nicolau de Cusa
(1401-1464). O misticismo dava ênfase à união com Deus, ao amor, à humildade e
à caridade, e produziu uma belíssima literatura devocional.
Outro importante movimento foi a Devoção Moderna, que se manteve forte durante
todo o século 15. Suas ênfases recaíam sobre a espiritualidade, a leitura da
Bíblia, a meditação e a oração. Também valorizava a educação, criando ótimas
escolas. Foi um movimento leigo, para ambos os sexos, e também exerceu grande
influência sobre os reformadores protestantes. Os participantes eram conhecidos
como Irmãos da Vida Comum. A obra mais importante e popular produzida por esse
movimento foi o belíssimo livreto devocional A
Imitação de Cristo (1418), escrito por Thomas à Kempis.
1.7 Os humanistas
bíblicos
O interesse pelas obras da Antiguidade levou ao estudo da Bíblia nas línguas
originais pelos chamados humanistas bíblicos. Os principais deles foram o
italiano Lorenzo Valla (†1457), estudioso do Novo Testamento; o inglês John
Colet (†1519), estudioso das epístolas paulinas; o alemão Johannes Reuchlin
(†1522), notável hebraísta; o francês Lefèvre D’Étaples (†1536), tradutor do
Novo Testamento; e o holandês Erasmo de Roterdã (1466?-1536), “o príncipe dos
humanistas”, que publicou uma edição crítica do Novo Testamento grego com uma
tradução latina, talvez a obra mais importante publicada no século 16, que
serviu de base para as traduções de Lutero, Tyndale e Lefèvre e muito
influenciou os reformadores protestantes. Esse retorno às Escrituras muito
contribuiu para a Reforma do Século 16.
1.8 Situação Geral
O final da Idade Média foi marcado por muitas convulsões políticas, sociais e
religiosas. Entre as políticas destacou-se a Guerra dos Cem Anos (1337-1453),
entre a Inglaterra e a França, na qual tornou-se famosa a heroína Joana D’Arc.
Houve também muitas revoltas camponesas, o declínio do feudalismo, a expansão
das cidades e o surgimento do capitalismo. No aspecto social, havia fomes
periódicas e o terrível flagelo da peste bubônica ou peste negra (1348). As
guerras, epidemias e outros males produziam morte, devastação e desordem, ou
seja, a ruptura da vida social e pessoal. O sentimento dominante era de
insegurança, ansiedade, melancolia e pessimismo. Isso era ilustrado pela “dança
da morte”, gravuras que se viam em toda parte com um esqueleto dançante.
Na área religiosa, houve a erosão do ideal da cristandade ou “corpus
christianum”, a sociedade coesa sob a liderança da igreja e dos papas. A
religiosidade era meritória, com missas pelos mortos, crença no purgatório e
invocação dos santos e Maria. Ao mesmo tempo, havia grande ressentimento contra
a igreja por causa dos abusos praticados e do desvio dos seus propósitos. Isso
é ilustrado pela situação do papado no final do século 15 e início do século
16. Os chamados papas do renascimento foram mais estadistas e patronos das
artes e da cultura do que pastores do seu rebanho. A instituição papal
continuou em declínio, com muitas lutas políticas, simonia, nepotismo, falta de
liderança espiritual, aumento de gastos e novos impostos eclesiásticos. Como
papa Alexandre VI (1492-1503), o espanhol Rodrigo Borja foi um generoso
promotor das artes e da carreira dos seus filhos César e Lucrécia; Júlio II
(1503-1513) foi um papa guerreiro, comandando pessoalmente o seu exército; Leão
X (1513-1521), o papa contemporâneo de Lutero, teria dito quando foi eleito:
“Agora que Deus nos deu o papado, vamos desfrutá-lo”.
2. A Reforma Protestante
– 1ª Parte
2.1 O contexto social e
religioso
Vimos, no final da seção anterior, alguns elementos que caracterizavam a
sociedade européia às vésperas da Reforma. Havia muita violência, baixa
expectativa de vida, profundos contrastes socioeconômicos e um crescente
sentimento nacionalista. Havia também muita insatisfação, tanto dos governantes
como do povo, em relação à Igreja, principalmente ao alto clero e a Roma. Na
área espiritual, havia insegurança e ansiedade acerca da salvação em virtude de
uma religiosidade baseada em obras, também chamada de religiosidade contábil ou
“matemática da salvação” (débitos = pecados; créditos = boas obras).
Foi bastante inusitado o episódio mais imediato que desencadeou o protesto de
Lutero. Desde meados do século 14, cada novo líder do Sacro Império Romano era
escolhido por um colégio eleitoral composto de quatro príncipes e três
arcebispos. Em 1517, quando houve a eleição de um novo imperador, um dos três
arcebispados eleitorais (o de Mainz ou Mogúncia) estava vago. Uma das famílias
nobres que participavam desse processo, os Hohenzollern, resolveu tomar para si
esse cargo e assim ter mais um voto no colégio eleitoral. Um jovem da família,
Alberto, foi escolhido para ser o novo arcebispo, mas havia dois problemas: ele
era leigo e não tinha a idade mínima exigida pela lei canônica para exercer
esse ofício. O primeiro problema foi sanado com a sua rápida ordenação ao
sacerdócio.
Quanto ao impedimento da idade, era necessária uma autorização especial do
papa, o que levou a um negócio altamente vantajoso para ambas as partes. A
família nobre comprou a autorização do papa Leão X mediante um empréstimo feito
junto aos banqueiros Fugger, de Augsburgo. Ao mesmo tempo, o papa autorizou o
novo arcebispo Alberto de Brandemburgo a fazer uma venda especial de
indulgências, dividindo os rendimentos da seguinte maneira: parte serviria para
o pagamento do empréstimo feito pela família e a outra parte iria para as obras
da Catedral de São Pedro, em Roma. E assim foi feito. Tão logo foi instalado no
seu cargo, Alberto encarregou o dominicano João Tetzel de fazer a venda das
indulgências (o perdão das penas temporais do pecado). Quando Tetzel
aproximou-se de Wittenberg, Lutero resolveu pronunciar-se sobre o assunto.
2.2 Martinho Lutero
(1483-1546)
Martinho Lutero nasceu em 1483 na pequena cidade de Eisleben, na Turíngia, em
um lar muito religioso. Seu pai trabalhava nas minas e a família tinha uma vida
confortável. Inicialmente, o jovem pretendeu seguir a carreira jurídica, mas em
1505 defrontou-se com a morte em uma tempestade e resolveu abraçar a vida
religiosa. Ingressou no mosteiro agostiniano de Erfurt, onde se dedicou a uma
intensa busca da salvação. Em 1512, tornou-se professor da Universidade de
Wittenberg, onde passou a ministrar cursos sobre vários livros da Bíblia, como
Gálatas e Romanos. Isso lhe deu um novo entendimento acerca da “justiça de
Deus”: ela não era simplesmente uma expressão da severidade de Deus, mas do seu
amor que justifica o pecador mediante a fé em Jesus Cristo (Rom 1.17).
No dia 31 de outubro de 1517, diante da venda das indulgências por João Tetzel,
Lutero afixou à porta da igreja de Wittenberg as suas Noventa e Cinco Teses, a
maneira usual de convidar-se uma comunidade acadêmica para debater algum
assunto. Logo, uma cópia das teses chegou às mãos do arcebispo, que as enviou a
Roma. No ano seguinte, Lutero foi convocado para ir a Roma a fim de responder à
acusação de heresia. Recusando-se a ir, foi entrevistado pelo cardeal Cajetano
e manteve as suas posições. Em 1519, Lutero participou de um debate em Leipzig
com o dominicano João Eck, no qual defendeu o pré-reformador João Hus e afirmou
que os concílios e os papas podiam errar.
Em 1520, a bula papal Exsurge
Domine (= “Levanta-te, Senhor”) deu-lhe sessenta dias para
retratar-se ou ser excomungado. Os estudantes e professores da universidade
queimaram a bula e um exemplar da lei canônica em praça pública. Nesse mesmo
ano, Lutero escreveu várias obras importantes, especialmente três: À Nobreza Cristã da Nação Alemã,
O Cativeiro Babilônico da
Igreja e A
Liberdade do Cristão. Isso lhe deu notoriedade imediata em toda a
Europa e aumentou a sua popularidade na Alemanha. No início de 1521, foi
publicada a bula de excomunhão, Decet
Pontificem Romanum. Nesse ano, Lutero compareceu a uma reunião do
parlamento, a Dieta de Worms, onde reafirmou as suas idéias. Foi promulgado
contra ele o Edito de Worms, que o levou a refugiar-se no castelo de Wartburgo,
sob a proteção do príncipe-eleitor da Saxônia, Frederico, o Sábio. Ali, Lutero
começou a produzir uma obra-prima da literatura alemã, a sua tradução das
Escrituras.
2.3 A Reforma na
Alemanha
A partir de então, a reforma luterana difundiu-se rapidamente no Sacro Império,
sendo abraçada por vários principados alemães. Isso levou a dificuldades
crescentes com os principados católicos, com o novo imperador Carlos V
(1519-1556) e com o parlamento (Dieta). Na Dieta de 1526, houve uma atitude de
tolerância para com os luteranos, mas em 1529 a Dieta de Spira reverteu essa política
conciliadora. Diante disso, os líderes luteranos fizeram um protesto formal que
deu origem ao nome histórico “protestantes”. No ano seguinte, o auxiliar e
eventual sucessor de Lutero, Filipe Melanchton (1497-1560), apresentou ao
imperador Carlos V a Confissão
de Augsburgo, um importante documento que definia em 21 artigos a
doutrina luterana e indicava sete erros que Lutero via na Igreja Católica
Romana.
Os problemas político-religiosos levaram a um período de guerras entre
católicos e protestantes (1546-1555), que terminaram com um tratado, a Paz de
Augsburgo. Esse tratado assegurou a legalidade do luteranismo mediante o
princípio “cujus regio, eius religio”, ou seja, a religião de um príncipe seria
automaticamente a religião oficial do seu território. O luteranismo também se
difundiu em outras partes da Europa, principalmente nos países nórdicos,
surgindo igrejas nacionais luteranas na Suécia (1527), Dinamarca (1537),
Noruega (1539) e Islândia (1554). Lutero e os demais reformadores defenderam
alguns princípios básicos que viriam a caracterizar as convicções e práticas
protestantes: sola Scriptura,
solo Christo, sola gratia, sola fides, soli Deo gloria. Outro
princípio aceito por todos foi o do
sacerdócio universal dos fiéis.
2.4 Ulrico Zuínglio
(1484-1531)
Ulrico Zuínglio recebeu uma educação esmerada, com forte influência humanista.
Inicialmente, foi sacerdote em Glarus (1506) e em Einsiedeln (1516).
Influenciado pelo Novo Testamento publicado por Erasmo de Roterdã, tornou-se um
estudioso das Escrituras e um pregador bíblico. Com isso, foi chamado para
trabalhar na catedral de Zurique em 1518. Quatro anos mais tarde, surgiram as
primeiras divergências com a doutrina católica. Zuínglio defendeu o consumo de
carne na quaresma e o casamento dos sacerdotes, alegando não serem essas coisas
proibidas nas Escrituras. Ele propôs o princípio de que tudo devia ser julgado
pela Bíblia.
Em 1523, houve o primeiro debate público em Zurique e a cidade começou a
tornar-se protestante. O reformador escreveu os Sessenta e Sete Artigos – a carta magna da
reforma de Zurique – nos quais defendeu a salvação somente pela graça, a
autoridade da Escritura e o sacerdócio dos fiéis, bem como atacou o primado do
papa e a missa. Esse movimento suíço, conhecido como a “segunda reforma”, deu
origem às igrejas “reformadas”, difundindo-se inicialmente na Suíça alemã e no
sul da Alemanha. Em 1525, o Conselho Municipal de Zurique adotou o culto em lugar
da missa e em geral promoveu mudanças mais radicais do que as efetuadas por
Lutero.
Como estava acontecendo na Alemanha, também na Suíça houve guerras entre
católicos e protestantes. Em 1529, travou-se a primeira batalha de Kappel. No
mesmo ano, a Dieta de Spira
mostrou aos protestantes a necessidade de uma aliança contra os seus
adversários. Para tanto, era necessário que resolvessem algumas diferenças
doutrinárias. Isso levou ao Colóquio
de Marburg, convocado pelo príncipe Filipe de Hesse. Luteranos e
reformados concordaram sobre a maior parte das questões doutrinárias, mas
divergiram seriamente sobre o significado da Santa Ceia. Em 1531, Zuínglio
morreu na segunda batalha de Kappel.
2.5 Os Reformadores
Radicais (Anabatistas)
O terceiro movimento da Reforma Protestante surgiu na própria cidade de
Zurique. Em 1522, homens como Conrado Grebel e Félix Mantz começaram a
reunir-se com amigos para estudar a Bíblia. Inicialmente, eles apoiaram a obra
de Zuínglio, mas a partir de 1524 passaram a condenar tanto Zuínglio quanto as
autoridades municipais, alegando que a sua obra de reforma não estava sendo
profunda o suficiente. Por causa de sua insistência no batismo de adultos,
foram apelidados de “anabatistas”, ou seja, rebatizadores, sendo também chamados
de radicais, fanáticos, entusiastas e outras designações. Por causa de suas
atividades de protesto, nas quais chegavam a interromper cultos e celebrações
da ceia, os líderes anabatistas sofreram punições de severidade crescente. Em
1526, Grebel morreu em uma epidemia, mas seu pai foi decapitado, Mantz foi
afogado e outro líder, Jorge Blaurock, foi expulso da cidade.
O movimento logo se difundiu nas vizinhas Alemanha e Áustria e em outras partes
da Europa. Um importante líder em Estrasburgo foi Miguel Sattler (c.1490-1527),
que presidiu a conferência de Schleitheim (1527), na qual os anabatistas
aprovaram a Confissão de Fé
de Schleitheim. Essa confissão definiu os princípios anabatistas
básicos: ideal de restauração da igreja primitiva; igrejas vistas como
congregações voluntárias separadas do Estado; batismo de adultos por imersão;
afastamento do mundo; fraternidade e igualdade; pacifismo; proibição do porte
de armas, cargos públicos e juramentos. Os anabatistas foram os únicos
protestantes do século 16 a defenderem a completa separação entre a igreja e o
estado.
Os anabatistas adquiriram uma reputação negativa por causa de acontecimentos
ocorridos na cidade de Münster (1532-1535). Influenciados por Melchior Hoffman,
que anunciou o fim do mundo e a destruição dos ímpios, alguns anabatistas
implantaram uma teocracia intolerante naquela cidade alemã. Finalmente, foram
todos mortos por um exército católico. Já na Holanda, o movimento teve um líder
equilibrado e capaz na pessoa de Menno
Simons (1496-1561), do qual vieram os menonitas. Outro líder de
expressão foi Jacob Hutter (†1536), na Morávia. Os menonitas e os huteritas
viviam em colônias, tendo tudo em comum (ver Atos 2.44; 4.32). Cruelmente
perseguidos em toda a Europa, muitos deles eventualmente emigraram para a
América do Norte.
2.6 João Calvino
(1509-1564)
João Calvino nasceu em Noyon, no nordeste da França. Seu pai, Gérard Cauvin,
era secretário do bispo e advogado da igreja naquela cidade; sua mãe Jeanne
Lefranc, morreu quando ele ainda era uma criança. Após os primeiros estudos em
sua cidade, Calvino seguiu para Paris, onde estudou teologia e humanidades
(1523-1528). A seguir, por determinação do pai, foi estudar direito nas cidades
de Orléans e Bourges (1528-1531). Com a morte do pai, retornou a Paris e deu
prosseguimento aos estudos humanísticos, publicando sua primeira obra, um
comentário do tratado de Sêneca Sobre
a Clemência.
Calvino converteu-se provavelmente em 1533. No dia 1º de novembro daquele ano,
seu amigo Nicholas Cop fez um discurso de posse na Universidade de Paris
repleto de idéias protestantes. Calvino foi considerado o co-autor do discurso
e os dois amigos tiveram de fugir para salvar a vida. Calvino foi para a cidade
de Angouleme, onde começou a escrever a sua obra mais importante, Instituição da Religião Cristã ou
Institutas,
publicada em Basiléia em 1536 (a última edição seria publicada somente em
1559). Após voltar por breve tempo ao seu país, Calvino decidiu fixar-se na
cidade protestante de Estrasburgo, onde atuava o reformador Martin Butzer
(1491-1551). No caminho, ocorreu um episódio marcante. Impossibilitado de
seguir diretamente para Estrasburgo por causa de guerra entre a França e a
Alemanha, o futuro reformador fez um longo desvio, passando por Genebra, na
Suíça francesa. Essa cidade havia abraçado o protestantismo reformado há apenas
dois meses (maio de 1536), sob a liderança de Guilherme Farel (1489-1565).
Este, sabendo que o autor das Institutas
estava de passagem pela cidade, o “convenceu” a permanecer ali e
ajudá-lo.
2.7 A Reforma em Genebra
Logo, Calvino e Farel entraram em conflito com os magistrados de Genebra e dois
anos depois foram expulsos. Calvino seguiu então para Estrasburgo, onde passou
os três anos mais felizes e produtivos da sua carreira (1538-1541). Naquela
cidade, ele pastoreou uma igreja de refugiados franceses, casou-se com a viúva
Idelette de Bure (†1549), lecionou na academia de João Sturm, participou de
conferências religiosas ao lado de Martin Butzer e publicou algumas obras importantes,
entre elas a segunda edição das Institutas
e o Comentário
de Romanos, o primeiro dos muitos que escreveu.
Eventualmente, os magistrados de Genebra insistiram no seu retorno. Calvino
aceitou com a condição de que pudesse escrever a constituição da Igreja
Reformada de Genebra. Essa importante obra, as Ordenanças Eclesiásticas, previa quatro
categorias de oficiais: pastores, encarregados da pregação e dos sacramentos;
doutores para o estudo e ensino da Bíblia; presbíteros, com funções disciplinares;
e diáconos, encarregados da beneficência. Os pastores e os doutores formavam a
Companhia dos Pastores; os pastores e os presbíteros integravam o Consistório,
uma espécie de tribunal eclesiástico. Calvino teve um relacionamento tenso com
as autoridades municipais até 1555. No final desse período, em 1553, o médico
espanhol Miguel Serveto foi condenado e executado por heresia. Calvino teve uma
participação nesse episódio, lamentada por seus herdeiros, o que não anula a
sua grande obra como reformador, escritor, teólogo e líder eclesiástico. Em
1559, um ano especialmente significativo, o reformador tornou-se cidadão de
Genebra, fundou a sua Academia, embrião da Universidade de Genebra, e publicou
a última edição das Institutas.
A visão do reformador francês era tornar Genebra uma cidade-cristã-modelo
através da reorganização da Igreja, de um ministério bem preparado, de leis que
expressassem uma ética bíblica e de um sistema educacional completo e gratuito.
O resultado foi que Genebra tornou-se um grande centro do protestantismo,
preparando líderes reformados para toda a Europa e abrigando centenas de
refugiados. O calvinismo veio a ser o mais completo sistema teológico
protestante, tendo por princípio básico a soberania de Deus e suas implicações,
soteriológicas e outras. Foi essa a origem das Igrejas reformadas (continente
europeu) ou presbiterianas (Ilhas Britânicas). Os principais países em que se
difundiu o movimento reformado foram, além da Suíça e da França, o sul da
Alemanha, a Holanda, a Hungria e a Escócia.
Calvino também se notabilizou como um erudito bíblico. Escreveu comentários
sobre quase todo o Novo Testamento e os principais livros do Antigo Testamento.
Seus sermões e preleções também expuseram amplamente as Escrituras. Além disso,
escreveu muitos opúsculos, tratados e cartas. Mas a maior das suas obras são as
Institutas, nas
quais ele expôs todos os aspectos da doutrina cristã, apelando às Escrituras e
ao testemunho dos antigos pais da igreja. Em muitas de suas obras, se vê uma
mão que sustenta um coração, e ao redor as palavras Cor meum tibi offero Domine, prompte et sincere (“O
meu coração te ofereço, ó Senhor, de modo pronto e sincero”).
2.8 Implicações Práticas
Os reformadores não estavam buscando inovar, mas restaurar antigas verdades
bíblicas que haviam sido esquecidas ou obscurecidas pelo tempo e pelas
tradições humanas. Sua maior contribuição foi chamar a atenção das pessoas para
a importância das Escrituras e seus grandes ensinos, especialmente no que diz
respeito à salvação e à vida cristã. Para que as Igrejas Evangélicas atuais
possam manter-se fiéis à sua vocação, é preciso que julguem tudo pelas
Escrituras, acolhendo o que é bom e lançando fora o que é mau. Os reformadores
nos mostraram que o critério da verdade não são os ensinos humanos, nem a
experiência espiritual subjetiva, mas o Espírito Santo falando na Palavra e
pela Palavra.
3. A Reforma
Protestante – 2ª Parte
3.1 A Reforma na
Inglaterra
Vários fatores contribuíram para a introdução da Reforma Protestante na Inglaterra:
o anticlericalismo de uma grande parcela do povo e dos governantes, as idéias
do pré-reformador João Wycliff, a penetração de ensinos luteranos a partir de
1520, o Novo Testamento traduzido por William Tyndale (1525) e a atuação de
refugiados que voltaram de Genebra. Todavia, quem deu o passo decisivo para que
a Inglaterra começasse a tornar-se protestante foi o rei Henrique VIII.
Henrique VIII (1491-1547) começou a reinar em 1509. Sendo muito católico, em
1521 escreveu um folheto contra Lutero que lhe valeu o título de “defensor da
fé”. Era casado com a princesa espanhola Catarina de Aragão, viúva do seu
irmão, que não conseguiu dar-lhe um filho varão, mas somente uma filha, Maria.
Henrique pediu ao papa Clemente VII que anulasse o seu casamento com Catarina
para que pudesse casar-se com Ana Bolena (Anne Boleyn), mas o papa não pode
atendê-lo nesse desejo. Uma das principais razões foi o fato de que Catarina
era tia do sacro imperador germânico Carlos V. Em 1533, Thomas Cranmer
(1489-1556) foi nomeado arcebispo de Cantuária e poucos meses depois declarou
nulo o casamento do rei. Em 1534, o parlamento aprovou o Ato de Supremacia,
pelo qual a Igreja Católica inglesa desvinculou-se de Roma e o rei foi
declarado “Protetor e Único Chefe Supremo da Igreja da Inglaterra.” O bispo
John Fisher e o ex-chanceler Thomas More opuseram-se a essas medidas e foram
executados (1535); os numerosos mosteiros do país foram extintos e suas
propriedades confiscadas (1536-1539). Nos anos seguintes, Henrique ainda teria outras
quatro esposas: Jane Seymour, Ana de Cleves, Catarina Howard e Catarina Parr.
Henrique morreu na fé católica e foi sucedido no trono por Eduardo VI
(1547-1553), o filho que teve com Jane Seymour. Os tutores do jovem rei
implantaram a Reforma na Inglaterra e puseram fim às perseguições contra os
protestantes. Foram aprovados dois importantes documentos escritos pelo
arcebispo Cranmer, o Livro
de Oração Comum (1549; revisto em 1552) e os Quarenta e Dois Artigos (1553),
uma síntese das teologias luterana e calvinista. Eduardo era doentio e morreu
ainda jovem, sendo sucedido por sua irmã Maria Tudor (1553-1558), conhecida
como “a sanguinária”, filha de Catarina de Aragão. Maria perseguiu os líderes
protestantes e muitos foram levados à fogueira. Os mártires mais famosos foram
Hugh Latimer, Nicholas Ridley e Thomas Cranmer. Muitos outros, os chamados
“exilados marianos”, foram para Genebra, Estrasburgo e outras cidades
protestantes.
Com a morte de Maria, subiu ao trono sua meio-irmã Elizabete I (1558-1603),
filha de Ana Bolena, em cujo reinado a Inglaterra tornou-se definitivamente
protestante. Em 1563, foi promulgado o Ato de Uniformidade, que aprovou os Trinta e Nove Artigos. O
resultado foi o acordo
anglicano, que reuniu elementos das principais teologias evangélicas, bem como
traços católicos, especialmente na área da liturgia. Além dos anglicanos, havia
outros grupos protestantes na Inglaterra, como os puritanos, presbiterianos e
congregacionais. Os puritanos surgiram no reinado de Elizabete e foram assim
chamados porque reivindicavam uma Igreja pura em sua doutrina, culto e forma de
governo. Reprimidos na Inglaterra, muitos puritanos foram para a América do
Norte, estabelecendo-se em Plymouth (1620) e Boston (1630), na Nova Inglaterra.
Outro grupo protestante inglês foram os batistas, surgidos a partir de 1607 sob
a liderança de John Smyth e Thomas Helwys. Este fundou em 1612 a primeira
igreja batista geral.
No século 17, no contexto da guerra civil entre o rei Carlos I e um parlamento
puritano, foi convocada a Assembléia de Westminster (1643-1649). Essa célebre
assembléia elaborou uma série de documentos calvinistas para a Igreja da
Inglaterra, entre os quais a Confissão
de Fé e os Catecismos
Maior e Breve, que se tornaram os principais símbolos confessionais
das Igrejas reformadas ou presbiterianas.
3.2 A Reforma na Escócia
O protestantismo começou a ser difundido na Escócia por homens como Patrick
Hamilton e George Wishart, ambos martirizados. Todavia, o presbiterianismo foi
introduzido graças aos esforços do reformador John Knox (†1572), um discípulo
de Calvino que, após passar alguns anos em Genebra, retornou ao seu país em
1559. No ano seguinte, o parlamento escocês criou a Igreja da Escócia
(presbiteriana). Knox fez oposição tenaz à rainha católica Maria Stuart
(1542-1587), prima de Elizabete, que viveu na França (1548-1561) e voltou à
Escócia para tomar posse do trono. A aceitação do protestantismo ocorreu no
contexto da luta pela independência do domínio francês. Alguns anos mais tarde,
Maria Stuart teve de fugir e buscar refúgio na Inglaterra, onde foi executada
por ordem de Elizabete em 1587.
Foi na Escócia que surgiu o conceito político-religioso de “presbiterianismo”.
Os reis ingleses e escoceses sempre foram firmes defensores do episcopalismo,
ou seja, de uma Igreja governada por bispos. A razão disso é que, sendo os
bispos nomeados pelos reis, a Igreja seria mais facilmente controlada pelo
estado e serviria aos interesses do mesmo. À luz das Escrituras, os
presbiterianos insistiram em uma Igreja governada por oficiais eleitos pela
comunidade, os presbíteros, tornando assim a Igreja livre da tutela do Estado.
Foi somente após um longo e tumultuado processo que o presbiterianismo
implantou-se definitivamente na Escócia.
3.3 A Reforma na França
O movimento reformado francês surgiu na década de 1530. Inicialmente tolerante,
o rei Francisco I (1515-1547) eventualmente mostrou-se hostil contra os
reformados. Henrique II (1547-1559) foi ainda mais severo que o seu pai. Em
1559, reuniu-se o primeiro sínodo nacional da Igreja Reformada da França, que
aprovou a Confissão Galicana.
Em 1561, havia duas mil congregações reformadas no país, compostas de artesãos,
comerciantes e até mesmo de algumas famílias nobres, como os Bourbon e os
Montmorency. Os reformados franceses, conhecidos como huguenotes, estavam
concentrados principalmente no oeste e sudoeste do país, e recebiam decidido
apoio de Genebra. Ao norte e leste estava a facção ultracatólica liderada pela
poderosa família Guise-Lorraine.
No reinado de Francisco II (1559-1560), os Guise controlaram o governo. Quando
Carlos IX (1560-1574) tornou-se rei, sendo ainda menor, sua mãe Catarina de
Médici assumiu a regência, mostrando-se inicialmente tolerante para com os
huguenotes. Tentando conciliar as duas facções, ela promoveu um encontro de
católicos e protestantes, o Colóquio de Poissy, em 1561. Com o fracasso desse
encontro, houve um longo período de guerras religiosas (1562-1598), cujo
episódio mais chocante foi o massacre do Dia de São Bartolomeu (24-08-1572).
Centenas de huguenotes achavam-se em Paris para o casamento da filha de
Catarina com o nobre protestante Henrique de Navarra. Na calada da noite, os
huguenotes foram assassinados à traição enquanto dormiam, entre eles o seu
principal líder, almirante Gaspard de Coligny. Nos dias seguintes, muitos
milhares foram mortos no interior da França. Mais tarde, quando o nobre
huguenote tornou-se rei, com o título de Henrique IV, ele promulgou em favor
dos seus correligionários o Edito de Nantes (1598), concedendo-lhes uma
tolerância limitada. Esse edito seria revogado pelo rei Luís XIV em 1685, dando
início a um novo período de duras provações para os reformados franceses.
3.4 A Reforma nos Países
Baixos
Os Países Baixos eram parte do Sacro Império Germânico e depois ficaram sob o
domínio da Espanha. Durante o reinado do imperador Carlos V, surgiram naquela
região luteranos, anabatistas e principalmente calvinistas, por volta de 1540.
Desde o início foram objeto de intensas perseguições, tendo a repressão
aumentado sob o rei Filipe II (1555) e o governador Duque de Alba (1567). A
revolta contra a tirania espanhola foi liderada pelo alemão Guilherme de
Orange, grande defensor da plena liberdade religiosa, que seria assassinado em
1584. Eventualmente, os Países Baixos dividiram-se em três nações: Bélgica e
Luxemburgo (católicas) e Holanda (protestante).
A Igreja Reformada Holandesa foi organizada na década de 1570. No início do
século 17, surgiu uma forte controvérsia por causa das idéias de Tiago Armínio.
O Sínodo de Dort (1618-1619) rejeitou as idéias de Armínio e afirmou os
chamados “cinco pontos do calvinismo”, cujas iniciais formam em inglês a
palavra “tulip” (tulipa): Depravação total ( Total depravity), Eleição
incondicional (Unconditional election), Expiação limitada (Limited atonement),
Graça irresistível (Irresistible Grace) e Perseverança dos santos (Perseverance
of the saints).
3.5 A Contra-Reforma
Ao analisarem as ações da Igreja Católica Romana após o surgimento do
protestantismo, os historiadores falam em dois aspectos: Contra-Reforma e
Reforma Católica. O primeiro foi o esforço da Igreja Romana para reorganizar-se
e lutar contra o protestantismo. Essa reação ocorreu tanto no plano dogmático
quanto político-militar. Já a Reforma Católica revelou a preocupação de
corrigir certos problemas internos do catolicismo em resposta às críticas dos
protestantes e de outros grupos.
Foram vários os elementos dessa reação. Na Espanha, houve notáveis
manifestações de uma rica espiritualidade mística, cujos representantes mais
destacados foram Teresa de Ávila e João da Cruz. Além do misticismo espanhol,
outro sinal da revitalização católica foi o surgimento de várias ordens
religiosas, das quais a mais importante foi a Sociedade de Jesus, fundada pelo
espanhol Inácio de Loiola (1491-1556) e oficializada pelo papa em 1540. Além
dos votos usuais de pobreza, castidade e obediência aos superiores, os jesuítas
faziam um voto adicional de submissão incondicional ao papa. Seu objetivo era a
expansão e o fortalecimento da fé católica através de missões, educação e
combate à heresia. Os jesuítas exerceram forte influência sobre governantes e
contribuíram decisivamente para a supressão do protestantismo em várias regiões
da Europa, como a Espanha e a Polônia.
O instrumento mais eficaz tanto da Contra-Reforma quanto da Reforma Católica
foi o Concílio de Trento, que se reuniu em três séries de sessões entre 1545 e
1563. Seus decretos rejeitaram explicitamente as doutrinas protestantes e
oficializaram o tomismo (a teologia de Tomás de Aquino), a Vulgata Latina e os
livros denominados apócrifos ou deuterocanônicos. Outros instrumentos da
Contra-Reforma foram o Índice de Livros Proibidos (Index Librorum Prohibitorum, 1559) e a
Inquisição, especialmente em suas versões espanhola e romana. Como expressão do
dinamismo católico nesse período, as ordens dos franciscanos, dominicanos e
jesuítas realizaram uma grande obra missionária no Oriente e nas Américas.
No território do Sacro Império, os conflitos entre católicos e protestantes
continuaram por muitas décadas, atingindo o seu auge na tenebrosa Guerra dos
Trinta Anos, que envolveu metade do continente europeu. Essa guerra terminou
com a Paz de Westfália (1648), que fixou definitivamente as fronteiras
político-religiosas da Europa e marcou o final do período da Reforma.
3.6 Implicações Práticas
A história da Reforma nem sempre é agradável e inspiradora. Por causa das
profundas conexões entre elementos religiosos e políticos, esse período foi
marcado por muita violência em nome da fé. Porque a religião é uma coisa muito
importante para as pessoas, as paixões que desperta podem se tornar
terrivelmente destrutivas. Os erros cometidos nessa área por diferentes grupos
nos séculos 16 e 17 nos servem de advertência e de estímulo para a prática da
caridade cristã e da tolerância, conforme o exemplo de Cristo. Podemos, sem
abrir mão de nossas convicções, respeitar os que pensam diferente de nós.
Ao mesmo tempo, nos impressionamos com o heroísmo de tantos irmãos nossos da
época da Reforma, que por causa de sua fé enfrentaram muitas provações e até
mesmo mortes cruéis. O evangelho já não exige esse tipo de sacrifício da
maioria dos cristãos do Ocidente, mas isso não significa que estamos livres de
grandes desafios. São outras as maneiras pelas quais a nossa fé é testada no
tempo presente. Viver de acordo com os princípios e os valores do Reino de Deus
continua sendo uma prova difícil, mas necessária, para todos os cristãos.
Referências
Bibliográficas
Como fontes para estudos e pesquisas complementares, sugerimos as seguintes
obras, em português:
BETTENSON, Henry, Documentos
da igreja cristã (São Paulo: ASTE, 1967); 3ª ed. revista, corrigida
e atualizada (São Paulo: ASTE/Simpósio, 1998). Uma ótima coletânea de fontes
primárias dos diferentes períodos da história da igreja.
CAIRNS, Earle E., O
cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã (São
Paulo: Vida Nova, 1988). Uma das melhores histórias da igreja em um só volume
disponíveis em português.
CLOUSE, Robert G., PIERARD, Richard V. e YAMAUCHI, Edwin M. Dois reinos: a igreja e a cultura
interagindo ao longo dos séculos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003
(1993). Obra de grande envergadura, com quase 600 p. no texto principal.
Narrativa rica e abrangente.
DOWLEY, Tim, ed., Atlas Vida
Nova da Bíblia e da história do cristianismo (São Paulo: Vida Nova,
1997). Belíssima edição em cores, com excepcional qualidade gráfica. Útil
também para o estudo da história bíblica (Antigo e Novo Testamento).
GONZÁLEZ, Justo L., Uma
história ilustrada do cristianismo, 10 vols. (São Paulo: Vida
Nova). Os dois volumes da edição em inglês foram transformados em dez pequenos
volumes na edição portuguesa. Agradável de ler e, como diz o título, fartamente
ilustrada.
MATOS, Alderi Souza de., A
caminhada cristã na história: a Bíblia, a igreja e a sociedade
ontem e hoje (Viçosa, MG: Ultimato, 2005). Coletânea de textos breves sobre
temas variados da história da igreja.
NEILL, Stephen, História das
missões (São Paulo: Vida Nova, 1989). Uma das melhores abordagens
de um aspecto específico da história da igreja. O autor foi missionário na
Índia e na África.
NICHOLS, Robert H., História
da igreja cristã, 11ª ed. rev. (São Paulo: Editora Cultura Cristã,
2000). Obra mais modesta que as anteriores, mas ótima para quem está começando
a estudar a história da igreja. O autor é presbiteriano.
NOLL, Mark A., Momentos
decisivos na história do cristianismo, trad. Alderi S. Matos (São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000). Ao abordar doze eventos especialmente
significativos, o autor acaba por incluir boa parte dos tópicos mais
importantes da história da igreja. Contém um apêndice sobre o Brasil, escrito
pelo tradutor.
WALKER, W., História da
igreja cristã, 2 vols. (São Paulo: ASTE, 1967). Obra excelente, mas
um tanto desatualizada. A edição mais recente em inglês, revista por três
outros autores (Norris, Lotz e Handy) e lançada em 1985, ainda não foi
publicada em português.
WALTON, Robert C., História
da igreja em quadros (São Paulo: Editora Vida, 2000). As tabelas e
esboços proporcionam um instrumento simples e agradável para estudar a história
da igreja.
WILLIAMS, Terri, Cronologia
da história eclesiástica em gráficos e mapas (São Paulo: Vida Nova,
1993). Os ótimos gráficos permitem visualizar facilmente alguns dos temas mais
importantes da história da igreja.
Disponível em: http://www.mackenzie.br/6962.html.
Acesso em 30/10/2013.