I – POR QUE FALAR
DE POLÍTICA PARA A IGREJA?
Romanos 13.1-7
Pr. Gilson Soares dos Santos
1 Todo homem esteja
sujeito as autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de
Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. 2 De modo que
aquele que se opõe a autoridade
resiste a ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação.
3 Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando
se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela,
4 visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se
fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é
ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. 5 É necessário
que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também
por dever de consciência. 6 Por esse motivo, também pagais tributos, porque são
ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço. 7 Pagai a todos o
que lhes e devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem
respeito, respeito; a quem honra, honra.
Talvez alguém ache estranho o fato de
tratarmos sobre política na igreja. É normal que muitos reajam dessa maneira
até que tenham um entendimento melhor sobre o assunto. É exatamente sobre isso que
trataremos agora.
Falaremos
de política na igreja, pelas seguintes razões:
1.1_ A
Bíblia fala de questões políticas
Nas Sagradas Escrituras não encontramos a
palavra “política”, pois esse é um termo que nasceu entre os gregos. Todavia,
podemos encontrar assuntos que, certamente, estão relacionados ao que
conhecemos hoje como “política”. Vejamos
quando a Bíblia fala de assuntos políticos:
a)_ Quando combate as injustiças sociais
No texto de Amós 2.6,7a, encontramos o Senhor apresentando sua demanda contra
as autoridades. Leiamos o texto:
6 Assim diz o SENHOR: Por três transgressões de Israel e por
quatro, não sustarei o castigo, porque os juízes vendem o justo por dinheiro e
condenam o necessitado por causa de um par de sandálias. 7 Suspiram pelo
pó da terra sobre a cabeça dos pobres e pervertem o caminho dos mansos; um
homem e seu pai coabitam com a mesma jovem e, assim, profanam o meu santo nome..
Comentando sobre isto D. A. Carson
escreve:
Amós examina os pecados de Israel de uma perspectiva
tanto social (6,7) quanto religiosa (7,8). Sua corrupção em relação aos justos,
sua insensibilidade em relação aos mais pobres e sua voracidade em relação aos
oprimidos são os fatos primeiramente descritos. 6 O justo, ou seja, alguém inocente perante a lei. Os juízes estavam
abertos à corrupção (por dinheiro),
veredictos eram vendidos por algo tão insignificante quanto um par de sandálias ou os casos trazidos à
justiça eram tratados como se fossem questão tão insignificantes quanto um par
de sandálias – tal era a cobiça nessa época.
No texto bíblico de Amós 8.4-6 é possível encontrarmos uma
repetição da demanda de Deus contra Israel concernente às questões sociais,
vejamos o texto:
4 Ouvi isto, vós que tendes gana contra o necessitado e destruís os
miseráveis da terra, 5 dizendo: Quando passará a Festa da Lua Nova, para
vendermos os cereais? E o sábado, para abrirmos os celeiros de trigo,
diminuindo o efa, e aumentando o siclo, e procedendo dolosamente com balanças
enganadoras, 6 para comprarmos os pobres por dinheiro e os necessitados
por um par de sandálias e vendermos o refugo do trigo?
Sobre isto Champlin escreve:
Além de barganhar com toda a espécie de produtos, eles negociavam
com seres humanos, no comércio escravocrata, tanto local quanto internacional.
Os seres humanos, nesse comércio, custavam bem pouco: um par de sandálias podia
comprar um escravo e até um pouco de trigo relativamente inútil, como aquele
varrido do chão (NCV). O sofrimento e os sentimentos humanos nada significavam
para aquelas feras humanas..
b)_ Quando fala do poder das autoridades civis
O texto que usamos para encabeçar
este capítulo, isto é, Romanos 13.1-7
nos mostra, claramente, uma questão política: a autoridade do governo civil
Comentando sobre isto, Wayne Grudem,
em seu livro “Política Segundo a Bíblia”, defende que o texto está tratando de
questões políticas:
As autoridades que exercem poder governamental foram
ordenadas por Deus (v1,2). [...] O governo tem o papel de promover o bem geral
da sociedade. Deve não apenas castigar a má conduta , mas também incentivar e
recompensar a boa conduta, que contribui para o bem da sociedade. [...] Os
funcionários do governo servem a Deus. Paulo diz que os governantes são servos
de Deus “para o teu bem” (v4, cf. v6). [...] Essa passagem é forte corroboração
para a ideia de que devemos ver o governo civil como uma dádiva de Deus. .
De igual maneira, encontramos em I Pedro 2.13,14 uma exortação sobre a
submissão às autoridades civis. Vejamos o texto:
13 Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer
seja ao rei, como soberano, 14 quer às autoridades, como enviadas por ele,
tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem.
Comentando esse texto, D. A. Carson
diz:
O bom comportamento deve ser expresso pela aceitação
submissa das exigências de toda
instituição humana. É admirável que Pedro, provavelmente escrevendo na
época de Nero, ainda veja o Estado como designado por Deus para a manutenção
dos valores morais.
c)_ Quando fala para orarmos pelas autoridades
Quando abrimos nossas Bíblias em I Timóteo 2.1,2 encontramos um
mandamento para que oremos pelos reis e por todas as demais autoridades. Isso
quer dizer que precisamos orar pelos políticos, ou seja, por aqueles que
exercem autoridade política. Vejamos o texto:
1 Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas,
orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, 2 em
favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que
vivamos vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito..
Carson faz o seguinte comentário sobre esse texto:
Paulo não somente está
desejoso de incluir a todos, mas chama atenção especial aos que exercem
autoridade. (2) O que é significativo é que Paulo não faz distinção entre os
governantes justos e os que não o são. Ele considera que o cristão tem a
responsabilidade de orar por aqueles cujos atos influenciam todos os cidadãos.
Mas o propósito da oração é que os cristãos vivam vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito..
Poderíamos encontrar diversos outros textos nos quais a Bíblia trata
sobre questões que, de alguma maneira, estão relacionadas à política. Mas os
três pontos acima são suficientes para alicerçarmos, biblicamente, que a igreja
precisa estar a par de assuntos políticos.
1.2_ Os reformadores trataram sobre questões
políticas
Nós, os congregacionais, temos raízes
teológicas nas Sagradas Escrituras, isto é inegável. Porém, nossas raízes
históricas estão na Reforma Protestante do Século 16. Sendo assim, é muito
importante que observemos o que os Reformadores pregaram. No tocante às
questões políticas, eles não foram omissos, também ensinaram ao povo.
Franklin Ferreira, apresentando o Livro “Política Segundo a Bíblia”, da
autoria de Wayne Grudem, expõe uma lista de Reformadores que escreveram sobre
assuntos políticos. Vejamos:
a)_ Martinho Lutero
“Foi
o primeiro dos reformadores a tratar do assunto, em sua obra Da
autoridade secular, até que ponto se lhe deve obediência (1523)”.
Podemos compreender, então, que Lutero não somente confrontou as
questões religiosas do seu tempo, enfrentando o poder da Igreja Católica
Apostólica Romana, mas também tratou de questões políticas, orientando o povo
de Deus sobre até que ponto os crentes deveriam submissão às autoridades civis.
b)_ João Calvino
“Abordou
a matéria nas Institutas da Religião Cristã (1559), ao tratar ‘da administração política’ (IV. XX)
O Reformador João Calvino, em seu
Livro IV das “Institutas da Religião Cristã”, deixa bem claro que, embora seu
propósito maior seja escrever sobre a Doutrina
Espiritual da Fé, é impelido pela necessidade a escrever sobre a justiça
civil e a justiça exterior dos homens. Calvino foi outro dos Reformadores que
buscou ensinar o povo de Deus sobre questões políticas.
c)_ Martin Bucer
No ano de 1551, outro Reformador
Protestante chamado Martin Bucer, escreveu uma tratando que apresenta uma
teologia do Estado, a saber, De Regno
Christi (O Reino de Cristo).
d)_ John Ponet
John Ponet foi um protestante inglês,
ele também escreveu um tratado sobre política: A Short Treatise of Political Power (Um breve tratado do poder político), no ano de 1556.
e)_ Christopher Goodman
Goodman escreveu a seguinte obra
sobre política: How Superior Powers Ought
to Be Obeyed of Their Subjects; and Wherein They May Lawfully by God´s Word Be
Disobeyed and Resisted [Como poderes
superiores devem ser obedecidos por seus súditos; e em que ponto ele spodem
legitimamente, segundo a Palavra de Deus, ser obedecidos e resistidos]
(1558).
f)_ Francois Hotman
François Hotman, por sua vez, ainda
segundo Franklin Ferreira, escreveu: Franco-Gallia,
Or, Na Account of the Ancient Free State of France, and Most Other Parts of
Europe, Before the Loss of their Liberties [Francogália ou Um relato do antigo Estado livre da França e a maioria
das outras partes da Europa, antes da perda da liberdade] (1573).
g)_ Theodoro de Beza
O sucessor de Calvino, Teodoro de
Beza, escreveu: De Jure Magisterium [Do direito dos magistrados] (1574).
Outros nomes de Reformadores são
citados por Franklin Ferreira na apresentação da obra acima mencionada. Porém,
esses já são suficientes para acreditarmos que os Reformadores não foram
omissos na orientação à igreja, no tocante às questões políticas.
1.3_
Outros teólogos e escritores cristãos escreveram sobre política
Além dos Reformadores, muitos outros
teólogos e líderes cristãos trataram sobre o tema “política” em seus escritos.
Ainda recorrendo a apresentação de Franklin Ferreira, no Livro “Política
Segundo a Bíblia”, cujo autor é Wayne Grudem, podemos ter uma lista de homens
de Deus que consideraram que a igreja precisa saber sobre questões políticas.
Vejamos:
a)_ Samuel Rutheford e Johannes Althusius
“No período pós-reforma foram
escritas duas obras influentes: Lex Rex
[A lei é o rei] (1644), de Samuel Rutheford, e Política (1603), de Johannes Althusius, que tem ‘a distinção de ser
uma das contribuições centrais para o pensamento político ocidental’”.
b)_ Outros nomes
Muitos outros nomes de homens de Deus
podem ser apresentados como orientadores dos crentes sobre política: Abraham
Kuyper, Karl Barth, Emil Brunner, Reinhold Nieburh, etc.
1.4_ A
política que não deve ter espaço na igreja
Porém, é preciso que os pastores
tenham muito quando no ensino sobre política na igreja. Eis alguns cuidados:
a)_ Evitar campanha político-partidária
O Código de Ética do Ministro
Congregacional, no item que trata sobre “O Ministro e a Política”, traz a
seguinte orientação: “1- O Ministro deve evitar se envolver ativamente em
campanha político-partidária. 2 – O Ministro não deve manifestar no púlpito de
sua Igreja suas preferências eleitorais.”.
É certo que o pastor vota. Também é
certo que, na maioria das vezes, o pastor já tem seu candidato escolhido, porém,
não é certo que ele se envolva ativamente em campanha a favor de candidato A, B
ou C. Em hipótese alguma deve usar o púlpito com essa finalidade.
b)_ Não ceder o púlpito para campanha política
Outro tipo de política não cabível na
igreja é aquela que cede o púlpito para que candidatos possam fazer qualquer
tipo de saudação, mesmo que seja candidatos evangélicos.
O Código de Ética do Ministro
Congregacional, no mesmo item que trata sobre “O Ministro e a Política”, alerta
a respeito disso: “O Ministro não deve ceder o púlpito de sua igreja para a
realização de campanha política”..
c)_ Não ceder o púlpito para líderes de movimentos populares
Procurando esquivar-se de tratar
diretamente de temas políticos na igreja, alguns pastores podem ser tentados a
levar para os púlpitos de suas igrejas líderes de movimentos populares,
julgando com isso prestar um favor à igreja no que concerne a assuntos
políticos. Porém, essa não é a maneira correta de orientar a igreja sobre
política. O pastor deve se inteirar sobre as questões sociais e, ele mesmo,
tratá-las, à luz das Sagradas Escrituras, no púlpito da Igreja.
Diante do que expusemos aqui neste
capítulo, fica claro que é preciso sim falar sobre política na igreja. O
propósito é orientar o povo de Deus sobre a importância da política séria. O
que não podemos é fazer política tendenciosa no ambiente cristão, tampouco
elevar os debates políticos em detrimento da pregação do Evangelho puro e
simples. Também é preciso saber que os pastores não devem ceder os púlpitos das
igrejas para que políticos façam suas campanhas, mesmo que a plataforma destes
políticos seja interessante.