Há empresários cristãos e recém-convertidos dando o dízimo com todo afoito, na esperança de serem bem-sucedidos nos negócios, de preferência, imediatamente. A malfadada teologia da prosperidade criou essa mentalidade mercantilista do dízimo. Outro dia, um pequeno empresário, com apenas um mês de conversão, comprou um bombom por vinte reais para ajudar a pagar a passagem de um missionário de partida para a Venezuela. No dia seguinte, algumas novas oportunidades de lucro chegaram ao seu escritório e ele e sua esposa logo relacionaram uma coisa com a outra.
Há igrejas e pastores encorajando, com sucesso, os fiéis a entregarem ofertas polpudas, prometendo-lhes as tais chuvas de bênçãos (materiais). Alguns dos ofertantes não conseguem nem sequer esconder a negociata que estão realizando com Deus. No auge da euforia, há quem doe todos os seus bens, ou quase todos, não por causa daquela devoção intensa e altruísta da viúva pobre que depositou no gazofilácio dois leptos (pequenas moedas de cobre quase sem valor), mas para poder escapar de uma falência, de uma doença terminal, de uma separação conjugal ou para abrir uma nova empresa e adquirir mais e mais bens de consumo.
Essa capacidade maligna de transformar a arte de dar em arte de receber está profanando e tornando antipática a palavra dízimo, de origem santa. A mão que se abre para ofertar é também a mão aberta para receber algo de maior valor. Isso vai totalmente de encontro àquele princípio ensinado por Jesus: “Há maior felicidade em dar do que em receber” (At 20.35).
Jesus deixou claro que o maior valor da contribuição é espiritual e não monetário. É por esta razão que ele valorizou mais as duas pequeninas moedas de “muito pouco valor” da mulher pobre do que as “grandes quantias” dos ricos (Mc 12.41-44). A legitimidade do dízimo e de qualquer oferta está na vontade de agradecer a Deus, na necessidade de adorá-lo e no privilégio de servi-lo. Daí a postura de Paulo: “Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá” (1 Co 13.3).
O dízimo transformado em dividendos (parte dos lucros líquidos que cabe ao acionista de uma empresa mercantil) inverte os papéis e supervaloriza a obra em detrimento da graça. Deus assume o papel de devedor e o homem assume o papel de credor. A partir do momento em que você contribui com alguma coisa para o reino de Deus ou se nega a si mesmo algum prazer pecaminoso, Deus se torna seu devedor.
Originalmente, o dízimo era uma responsabilidade do povo de Deus. Um décimo de todas as posses e de toda a receita de todas as tribos (exceto a tribo de Levi) era destinado aos levitas como retribuição pelo trabalho religioso que realizavam. Já o dízimo dos levitas era destinado aos sacerdotes (Nm 18.21-29). Quando os dízimos não eram pagos, toda a estrutura era abalada, inclusive a assistência às viúvas, aos órfãos e aos estrangeiros (Dt 14.28-29). Além da agradável sensação do dever cumprido, os israelitas fiéis no dízimo e nas demais obrigações éticas eram, naturalmente, abençoados por Deus com fartas colheitas, das quais dependiam sua sobrevivência e seu bem-estar. Essa prosperidade não tem nada a ver com a prosperidade consumista, acentuada hoje em dia (carros importados, roupas sofisticadas, finas iguarias, viagens, os melhores teatros e casas na cidade, no campo e na praia).