A REGRESSÃO DO ESCLARECIMENTO AO MITO, EM THEODOR ADORNO
Gilson Soares dos Santos
Theodor
Adorno (junto com Horkheimer) tem como propósito primordial “descobrir porque a
humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se
afundando em uma nova espécie de barbárie”. Tem como objeto investigar a
autodestruição do esclarecimento. Esclarecimento este, que pretendeu
desencantar o mundo e destruir o animismo, varrendo (ou purificando) qualquer
vestígio de mito ou de animia. Ele (Adorno) investiga porque o esclarecimento
que pretendeu racionalizar o mundo, tirando qualquer vestígio de mito, para
depois torná-lo subjugável e manipulável por parte do homem, regride ao mito.
É
de se esperar que tamanha empreitada, investigar a causa da recaída do
esclarecimento na mitologia, seja de todo proveitosa, principalmente porque
Adorno, em sua parte crítica, limita-se a duas teses: O mito já é
esclarecimento; e o esclarecimento acaba por reverter à mitologia.
A
primeira expressão de Adorno sobre o conceito de esclarecimento é que “este
busca o desencantamento do mundo”, objetivando livrar os homens do medo,
tornando-os senhores da natureza interna e externa. O programa do
esclarecimento era dissolver os mitos, substituir a imaginação pelo saber.
Porém, o mito já é esclarecimento. E essa é a primeira tese de Adorno. A
relação mito-esclarecimento é íntima. O mito que pretendeu relatar, dominar, dizer
a origem, explicar é produto do próprio esclarecimento, e este, por sua vez,
acaba por se reconhecer no próprio mito. Há uma conversão de mito em esclarecimento,
porque no mito há elementos de esclarecimento. Tudo porque o esclarecimento age
em relação às coisas da mesma forma que o ditador age em relação aos homens:
conhece-os na medida em que pode manipulá-los. A natureza é encarada como mera
objetividade. Mito como esclarecimento e esclarecimento como mito pode ser
entendido na sentença de Adorno e Horkheimer: “Do mesmo modo que os mitos já
levam a cabo o esclarecimento, assim também o esclarecimento fica cada vez mais
enredado, a cada passo que dá, na mitologia.”
O
esclarecimento, segundo Adorno, que tinha como objetivo a desmitologização, fez
uso de suas armas para a autodestruição. Isso ocorreu porque o esclarecimento
que combatia o medo ficou “paralisado pelo medo da verdade”. Para o
esclarecimento nada deve ficar de fora, e essa preocupação com a
autoconservação, essa preocupação de que algo fique de fora gera a angústia,
gera o medo. O esclarecimento que queria eliminar os mitos terminou por
criá-los sem medida. O homem que agora domina a natureza aliena-se dela, e isso
não é outra coisa senão mito. O conteúdo que o esclarecimento herdou dos mitos
e tentou destruir fez que o próprio esclarecimento fosse enredado pelo mito.
Por mais que o esclarecimento tenha tentado se desvencilhar do mito, por
julgá-lo superstição, não conseguiu. No mito, tudo o que acontece expia uma
pena pelo fato de ter acontecido, no esclarecimento, o fato torna-se nulo, mal
acabou de acontecer. O esclarecimento que lutou pela desmitologização visando o
progresso irrefreável, agora se vê irrefreavelmente indo ao regresso, sendo
enredado, a cada passo que dá, na mitologia. A culpa, obviamente, não está nas
mitologias nacionalistas, mitologias pagãs ou modernas, mas no próprio
esclarecimento. A trajetória do esclarecimento, que separa o objeto do sujeito
com o objetivo de dominá-lo, extingue o próprio sujeito.
O
que Adorno (junto com Horkheimer) pretendeu, isto é, investigar a regressão do
esclarecimento ao mito, compreendendo porque a humanidade na busca de progredir
está regredindo, alcançou seu objetivo. O esclarecimento que supostamente nos
levaria para uma sociedade mais justa e livre, pois “a liberdade da sociedade é
inseparável do pensamento esclarecedor”, passando por uma desmitologização,
fazendo uma varredura (purificação) dos mitos e animias, acabou por tomar um
caminho irrefreável de regressão ao mito, dirigindo a sociedade em direção à
uma nova espécie de barbárie. As instituições da sociedade, com as quais o
esclarecimento está enleado, contém o germe que leva à regressão. E à medida
que o esclarecimento rejeita a reflexão sobre este elemento regressivo, sobre
este seu papel (ou momento) de mito, consequentemente sela sua regressão ao
mito. “O progresso converte-se em regressão”.
BIBLIOGRAFIA
ADORNO. Theodor W., HORKHEIMER, Max;
Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Pag. 11-27. Tradução: Guido
Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.