CONSERVADORES E RADICAIS: UMA POLARIZAÇÃO DESNECESSÁRIA
NA IGREJA CONTEMPORÂNEA
Pr.
Gilson Soares dos Santos
John
Stott (1921-2011) posicionou-se contra a polarização existente na igreja
contemporânea, ou seja, o extremismo ou desequilíbrio encontrado na igreja de
hoje. Para ele, a polarização é uma das grandes tragédias da cristandade
moderna. Nós nos separamos uns dos outros por assuntos considerados tão banais,
isso causa desequilíbrio. Por isso, em sua obra Cristianismo equilibrado, Stott apresenta a necessidade de um
equilíbrio. Propomo-nos destacar o equilíbrio apresentado por ele para a
questão entre conservadorismo e radicalismo, quando defende que cada crente
deveria ser conservador e radical ao mesmo tempo.
De
início, Stott apresenta o que pode ser entendido como uma pessoa conservadora e
uma pessoa radical. Uma pessoa conservadora é aquela que está determinada a
conservar ou preservar o passado, sendo, portanto, resistente a mudanças. Uma
pessoa radical deve ser entendida como aquela que está em rebelião contra o que
é herdado do passado e, por isso, teima em fazer agitações por mudanças. Para
Stott é preciso que cada cristão seja conservador, e, ao mesmo tempo, radical.
Cada
crente dever ser um conservador porque fomos chamados para “guardar o depósito”
(I Tm 6.20; II Tm 1.14), fomos chamados a batalhar “pela fé que uma vez foi
dada aos santos” (Jd 1.3). A igreja precisa ser conservadora quanto ao
Evangelho. Sua tarefa, segundo Stott, não é inventar novos evangelhos, novas
teologias e novos cristianismos. Porém, é sua tarefa ser a guardiã fiel do
único Evangelho eterno. Isso não implica em uma resistência cega ao pensamento
novo. Ser conservacionista não é ser antiquário e obscurantista, pois antiquarianismo
e obscurantismo são vícios da mente dos crentes, mas conservadorismo está entre
as suas virtudes.
No
entanto, alguns crentes erram porque seu conservadorismo não está ligado à
preservação do Evangelho fiel, nem à teologia que professam, tais pessoas são
conservadoras por natureza. Segundo Stott “são
conservadores na política e na perspectiva social, no estilo de vida, no
estilo de vestir, no estilo de cortar o
cabelo, no estilo da barba, em qualquer outro
tipo de estilo que se mencione”. Mudança de qualquer tipo é anátema para esse tipo de crente. Como citado
por Stott “Qualquer mudança , em qualquer
tempo e por qualquer razão, deve ser
deplorada!”.
Por outro lado, segundo Stott, cada crente dever ser radical
e fazer perguntas sobre as tradições herdadas, a fim de evitar adoração à “vaca
sagrada”, estando preparado para submeter qualquer coisa herdada do passado ao
escrutínio crítico. Esse juízo crítico o leva a ansiar por reformas. E até
mesmo as inicia. O crente radical consegue fazer uma leitura do mundo e
perceber que a cena está mudando hoje. A chegada prematura do futuro, é claro,
não o ameaça nem o choca, pois ele sabe que mudanças são inevitáveis, por isso
se ajusta para dar-lhe as boas vindas.
É possível ser conservador e radical ao mesmo tempo? Stott
toma Cristo como exemplo de alguém que foi conciliatoriamente um conservador e
radical ao mesmo tempo, em esferas diferentes, é claro. Jesus foi um
conservador no que tange às Sagradas Escrituras. Ele atacou os religiosos de
sua época que desrespeitavam as Escrituras, e deixou bem claro que as
Escrituras não poderiam ser mudadas. Seu conservadorismo sobre as Escrituras
fica claro em sua afirmação “Nem um jota
nem um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido” (Jo 10.17 e Mt
5.17,18). De acordo com Stott, Jesus também demonstra radicalismo quando, por
exemplo, critica o tradicionalismo judeu, que conservava as tradições humanas
em detrimento das Escrituras. Ele lançou fora séculos de tradições humanas, a
“tradição dos anciãos”, a fim de que o povo se voltasse para a Palavra. Jesus
também foi ousado em quebrar as convenções sociais: falou com mulheres em
público, deu atenção às crianças, permitiu que prostitutas o tocasse, tocou num
leproso, recusou ser preso aos costumes humanos. Sua mente estava ligada
unicamente à Palavra, jamais às tradições humanas. “Jesus foi uma combinação
única entre o conservador e o radical: conservador em relação às Escrituras, e
radical no seu escrutínio (seu escrutínio bíblico) de todas as outras coisas”.
Stott recorre às palavras de Leighton Ford: “Deus não está
preso ao inglês do século dezessete, nem aos hinos do século dezoito, nem à
arquitetura do século dezenove, nem aos clichês do século vinte”. Deus não
muda, sua revelação não muda, mas chama seu povo para novos, e venturosos,
empreendimentos. É preciso discernir entre Escritura e cultura. As Escrituras
são imutáveis, porque são a Palavra de Deus. A cultura é mutável, pois é uma
mistura de tradição eclesiástica, convenção social e criatividade artística.
Cultura muda de época para época, de lugar para lugar. Precisamos submeter
nossa cultura a um escrutínio bíblico constante. “O formato e a decoração dos
nossos templos, nossos métodos pastorais e evangelísticos, e tudo o que fazemos
como igreja. Tudo isto deve ser submetido à investigação bíblica regular e
crítica." A resistência a mudanças somente deve acontecer quando estivermos
defendendo as Sagradas Escrituras.
É possivel perceber que Stott nos chama ao equilíbrio. Devemos
conservar as Escrituras, mas precisamos clamar por mudanças, e estas mudanças
não podem ser rebelião contra a Palavra de Deus, mas sim contra as tradições
humanas, as quais os homens querem colocar em pé de igualdade com as Escrituras
Sagradas. Nossa tradição não pode, nem deve, ser revestida de autoridade
semelhante à Bíblia. Devemos resistir a toda e qualquer mudança que confronte o
texto sagrado, mas devemos estar abertos ao diálogo com as mudanças que nos
ajudam a fugir da idolatria à “vaca sagrada”. Sejamos, no dizer de Stott,
conservadores quanto à Palavra e radicais quanto às tradições herdadas, estando
abertos às mudanças, desde que elas não contrariem as Sagradas Escrituras.