O CONCEITO DE HUMANIDADE EUROPEIA, EM EDMUND HUSSERL
Gilson Soares dos Santos
Edmund
Husserl, conforme ele mesmo diz, arrisca “ousar a tentativa de suscitar um novo
interesse para o tão frequentemente tratado tema da crise européia”. Para isso,
vai desenvolver a ideia histórico-filosófica de humanidade européia. Em
Husserl, crise européia não significa crise regional da Europa, não é uma
região geograficamente delimitada, mas crise da humanidade ou humanidade
européia. Assim, já no primeiro parágrafo de A crise da humanidade européia e a filosofia, Husserl ressaltará
que, expondo a função essencial que a filosofia exercerá, a crise européia
ganhará uma nova luz. Ele abordará problemas que, a seu ver, conduziram à crise,
fazendo uma análise crítico-filosófica do desenrolar de sua história, indicando
o acesso ou caminho à ciência pura do espírito, pois na fase caracterizada pela
crise Husserl desenvolve a fenomenologia.
Husserl
parte daquilo que ele chama de “algo bem conhecido”, e mostra a diferença
existente entre medicina científico-natural e a “medicina naturalista”, a
primeira de caráter científico nasce de conhecimentos e ciências teóricas,
enquanto a última, nasce da experiência ingênua no cotidiano do povo. Ele está
consciente de que o conhecimento começa a partir de coisas concretas
existentes, e ressaltará que os que estão familiarizados com o espírito das
ciências responderão que a grandeza das ciências da natureza está justamente em
não se conformar com uma empiria sensível, tendo esta apenas como uma passagem
metódica para a explicação exata, isto é, físico-química. As ciências
descritivas nos prendem àquilo que se apresenta à nossa mente, isto é, às finitudes
do mundo circundante terreno, mas quando um fato se apresenta à consciência,
captamos nele uma essência. Tratará das concreções sensivelmente dadas. Por
exemplo, uma árvore é uma concreção sensivelmente dada, porque se dá com a
realidade sensível aos nossos sentidos. Por isso Husserl busca mostrar que a
crise européia é a crise do mundo circundante, está na pretensão de se
enquadrar tudo.
“A espiritualidade
humana está, decerto, fundada na physis humana, toda e qualquer vida anímica
humana individual está fundada na corporeidade”, afirma Husserl. Mas não se
pode, segundo ele, com base nisso, querer explicar essa ligação da physis
humana com a vida psíquica por intermédio da física e química exatas, pois isso
redundaria em fracasso diante da complicação da necessária investigação
psíco-física exata.
A questão fundamental
colocada por Husserl é entender como o desenvolvimento gigantesco das ciências
modernas conduziu a uma crise da humanidade européia, representada pela crise
das ciências. Ele vai buscar as estruturas espirituais em suas origens, isto é,
na filosofia da Grécia, compreendendo que a sociedade européia é descendente da
filosofia grega, sendo, portanto, a crise da humanidade européia uma crise da
filosofia. Isto, segundo ele, aconteceu porque a humanidade esqueceu sua
tradição espiritual e serviço à razão. A Europa tem um nascimento preciso e seu
lugar de nascimento é espiritual, nasce sob a égide da filosofia, “da ciência
universal, a ciência da totalidade do mundo, da unidade total de todo existente.”
Para Husserl, o mundo
científico contemporâneo é um desvio de uma teleologia, ou seja, de uma
intencionalidade teleológica, pois o telos
que emergiu da filosofia grega para a humanidade européia foi perdido com o
desenvolvimento da ciência. Perdeu-se o propósito de ser uma humanidade a
partir da razão filosófica. Assim, entendemos que a crise das ciências é “a
crise da humanidade como projeto racional”.
Daí a necessidade da
superação dessa crise, que acontecerá quando a filosofia se interessar de novo
pelo homem, se distanciando do formalismo científico. A fenomenologia é o
caminho, pois se apresenta como a ciência voltada para as coisas (“às coisas
mesmas”), é a ciência pura do espírito.
Tendo em vista os
aspectos apresentados por Husserl, concluímos que a filosofia que deu origem à
humanidade européia, entrou em crise na própria crise das ciências, a crise da
humanidade européia, e somente a fenomenologia, as coisas mesmas, apresenta-se
como a ciência pura e universal do espírito, “que
investigue os elementos e as leis absolutamente universais que regem a
espiritualidade, com o fim de obter explicações cientificas em sentido absolutamente
conclusivo.”
BIBLIOGRAFIA
HUSSERL. Edmund; A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia.
Pag. 60-73. Tradução: Urbano Zilles. 3.ed. Porto Alegre: ED