Agostinho,
desde o começo, seguiu os ensinamentos dos chamados "pais da igreja"
que vieram antes dele. Ao escrever contra o maniqueísmo, Agostinho defendia que
o ser humano, mesmo caído, possuía o poder da livre escolha. Com o passar do
tempo, ele partiu para uma visão moderada sobre o livre-arbítrio, chegando,
posteriormente, a assumir uma posição radical de predestinação. Porém, o que
destacamos aqui é a compreensão da liberdade em Agostinho na obra o
livre arbítrio.
Agostinho
defende, em o livre arbítrio, que Deus é o criador de todo o bem. Não há
nenhuma possibilidade do Criador haver criado o mal. De igual maneira ele
defende que o mal é uma escolha do homem. Porém o ser humano escolhe o mal
porque Deus lhe deu o livre-arbítrio e, por meio dessa livre escolha, o homem
optou por fazer o mal. Isso suscita uma questão: se Deus criou o livre arbítrio
e este mesmo leva o homem a pecar escolhendo o mal, não seria Deus o autor de
um mal chamado livre arbítrio? A resposta em Agostinho é simples: Deus criou o
livre-arbítrio, porém este não é um mal, mas um bem que procede de Deus. O
homem é quem faz dele (do livre arbítrio) um meio para se chegar ao mal.
Mais
uma questão é levantada: se o homem tem o poder de decidir fazer o bem ou o mal
por meio do livre arbítrio que lhe é concedido, então o livre arbítrio pode ser
entendido como liberdade? Não. De forma alguma. O livre arbítrio seria um elemento neutro entre a liberdade e a
escravidão. Por meio desse elemento
neutro o homem pode, voluntariamente, escolher o bem ou o mal. Se ele
escolher o bem, certamente encontrará a liberdade. Se sua escolha for o mal,
nunca poderá ter liberdade. Para Agostinho, em o livre arbítrio, todo mal é
resistível.
Posteriormente,
Agostinho vai defender que após escolher o mal o homem não tem mais o poder de
livre escolha, muito menos de liberdade. É como alguém que para matar a si
mesmo precisa estar vivo quando se mata, mas após ter se matado cessa de viver,
não podendo mais restaurar a vida a si mesmo.
Em
suma, o livre arbítrio não é um mal, mas um elemento neutro que o homem pode
usar para chegar ao mal. Não é a liberdade, porém um elemento neutro que o
homem pode usar para se chegar à liberdade, conhecendo a Deus e aceitando sua
graça.
2 - Compreensão da liberdade em Sartre
O pensamento existencialista de
Sartre está intimamente ligado ao conceito de liberdade. A liberdade estaria
ligada ao poder de escolha incondicional que o homem faz do seu ser e de seu
mundo. É como se estivéssemos condenados à liberdade.
"A existência precede a
essência". Vontade precede a liberdade. Sartre parte da existência para
chegar a alguma coisa. A liberdade é um poder absolutamente incondicional e
está ligado à vontade, sejam quais forem as circunstâncias.
Para Sartre, a liberdade está na
vontade, essa vontade que faz com que o homem invente o próprio homem. O homem
é o que projeta ser. Sendo assim, é possível defender, e Sartre assim o faz,
que a liberdade está na vontade e é parte constituinte da consciência. Pensando
dessa forma, haveria algum limite para o homem? Sim, pois a liberdade é
situada. Mas é importante salientar que os limites dessa situação apresentam-se
como ocasiões propícias à liberdade.
Quando nos deparamos diante de
situações as quais julgamos externas, mesmo esse pensamento é uma decisão
livre, ou seja, decidimos encarar as coisas desta forma, a liberdade seria a
conduta que abraçamos. Somos agentes livres para alguma coisa. A liberdade é
sempre liberdade para alguma coisa, e "essa coisa" está na nossa
decisão, e "essa decisão" é a liberdade que nos faz a nós e ao nosso
mundo serem como são.
Embora defendendo que a minha
liberdade não depende da liberdade do outro, Sartre mostra que se há um
compromisso entre a minha liberdade e a liberdade do outro. Não podemos tomar a
nossa liberdade como fim se não considerarmos também como fim a liberdade dos
outros.
Portanto, a liberdade em Sartre deve
ser entendida como um compromisso, ligado diretamente à vontade absoluta, e se
manifesta em toda e qualquer ocasião. Somos condenados à liberdade.
3 - Liberdade em Agostinho e Sartre
Quando observamos o conceito de
liberdade no livre arbítrio de Agostinho e no pensamento de Sartre é possível
compreender que tanto um quanto o outro trata da livre escolha. O que fará
diferença entre ambos é que enquanto Sartre chama o poder da vontade, da livre
escolha, do livre arbítrio de liberdade, isto num sentido absoluto, Agostinho
atribui ao livre arbítrio, esse poder de escolha, o conceito de elemento
neutro, um instrumento que pode levar à liberdade.
Se para Sartre qualquer escolha que
o homem faça, qualquer conduta pela qual opte já pode ser chamada de liberdade,
para Agostinho o poder de escolha é apenas o livre arbítrio, um bem concedido
por Deus que é "Todo Bem". Embora esse bem possa conduzir ao mal ou à liberdade
(conhecimento da verdade de Deus).
É preferível que se veja a questão
da liberdade pela postura assumida por Agostinho em escritos posteriores ao
livre arbítrio ao admitir que matamos a nós mesmos na queda, mas não podemos
nos trazer de volta. A verdadeira liberdade teria sido perdida na queda. E,
segundo o mesmo Agostinho defende em "Graça e livre arbítrio" nossa
liberdade está em Deus, pois é ele que nos faz agir ao exercer eficazmente
sobre a nossa vontade, isto é, até a nossa livre escolha é dom de Deus.
Tanto Sartre quanto Agostinho se
limitaram apenas a ver no homem o autor do seu destino. Este admitindo que no
"livre arbítrio" o homem pode escolher a liberdade, aquele defendendo
que o próprio poder de escolha já é a liberdade, para o bem ou para o mal. Faltando alguma atribuição às causas externas,
ou melhor, a principal Causa externa, a ação de Deus, que o mesmo Agostinho
trabalha em momentos posteriores, defendendo que apenas o nosso representante
federal, Adão, teve o poder de livre arbítrio, todos os seus descendentes já
nasceram sob escravidão, cabendo ao divino o poder de dá-lhes a liberdade.